Mesmo sem nenhuma assinatura nos
processos, o advogado Eduardo Filipe, filho do ministro Humberto Martins,
ganhou os honorários de dinheiro público pagos pela Fecomércio do Rio
Eduardo Filipe Alves Martins, de 31anos, é um jovem advogado
de carreira próspera em Brasília. Carrega em seu currículo o sobrenome do pai, Humberto
Martins, ministro do Superior Tribunal de Justiça desde 2006 e atual
vice-presidente da Corte. Eduardo Martins, apesar da pouca idade, já pode se
considerar um milionário na advocacia. ÉPOCA obteve documentos que mostram
pagamentos de R$ 10 milhões por dois processos no STJ. A fatura foi paga com
dinheiro da Fecomércio do Rio de Janeiro. Apesar dos altos
pagamentos, Eduardo Martins não consta nos processos que ele mesmo registrou
nas notas fiscais emitidas. Não tem nem sequer procuração, enquanto as outras
bancas de advocacia contratadas pela Fecomércio-Rio atuaram nessas mesmas ações
com procuração e fizeram petições.
Os processos citados nas notas são dois Agravos em Recursos Especiais,
mais conhecidos no mundo jurídico como ARESPs. Juntos, os dois
processos somam 4.772 páginas, 12 procurações e mais de 20 advogados inscritos.
Trata-se de dois processos de uma longa disputa jurídica, com sucessivas
reviravoltas, para decidir se Orlando Diniz pode continuar à
frente da Fecomércio, Sesc e Senac do Rio, ante uma tentativa da Confederação
Nacional do Comércio de fazer uma intervenção nas entidades. Enquanto o
processo não se define, Orlando Diniz não poupou esforços – e dinheiro das
entidades – para permanecer no cargo. ÉPOCA obteve documentos internos
que mostram que, desde 2012, a Fecomércio do Rio fez contratos de mais de R$
100 milhões com advogados. Essas entidades têm receitas próprias e recebem
dos trabalhadores e empresas a chamada contribuição compulsória, prevista em
lei, como principal fonte de renda, daí o entendimento de que usam dinheiro
público. Prestam contas, inclusive, aos órgãos de controle, como nas auditorias
do Tribunal de Contas da União.
Entre essas diversas reviravoltas na disputa judicial, uma delas
aconteceu no fim do ano passado, quando Orlando Diniz conseguiu retomar o
controle do Sesc-RJ. Diniz estava afastado da entidade há cerca de um ano e,
quando voltou, determinou repasses de R$ 36 milhões para a Fecomércio. O
motivo, segundo o ofício obtido por ÉPOCA, era justamente pagar as faturas dos
advogados, “considerando que a Fecomércio-RJ responsabilizou-se pelos
pagamentos dos valores decorrentes dos contratos de prestação de serviços
advocatícios que se referem à defesa dos interesses comuns das instituições que
compõem o sistema Fecomércio- Rio”.
E foi então que os pagamentos ganharam volume. Em dezembro de 2015 e
janeiro de 2016, o escritório Martins Advogados emitiu quatro notas seriadas,
cada uma de R$ 2,5 milhões, fazendo referência à “prestação de serviços advocatícios
no agravo em recurso especial”, citando os números específicos dos processos.
De acordo com os documentos, a fatura de Eduardo Filipe Martins pode chegar a
R$ 25 milhões, uma vez que cada nota, de cada um dos dois processos, remete a
cinco parcelas de R$ 2,5 milhões.
Sobre o fato dos processos não levarem a assinatura do advogado nas
petições, Eduardo Martins afirma que “como o protocolo do Superior Tribunal de
Justiça é eletrônico, somente fica registrada a assinatura eletrônica do
advogado que realizou o peticionamento”. Nos processos, contudo, há diversos
documentos que levam a assinatura ou o nome de diversos advogados, de mais de
um escritório.
Segundo o advogado, esses dois ARESPs estão vinculados a outras duas
medidas cautelares, na qual ele tem procuração. “Estando os agravos nos
recursos especiais vinculados às medidas cautelares e tramitando os processos
apensados (cautelar e principal), estando devidamente constituído nas
cautelares – tendo inclusive peticionado em conjunto com os demais advogados –,
dispensável a imediata juntada de procuração ou substabelecimento”, disse em
e-mail enviado a ÉPOCA. Apesar de não haver a necessidade de inscrição
imediata nos processos, como diz o advogado, os dois ARESPs tramitam no STJ há
mais de um ano, até agora sem a procuração de Eduardo Martins. O advogado
afirma ainda que as vitórias nos ARESPs têm relação com o trabalho feito nas
duas cautelares. ÉPOCA obteve cópias dessas cautelares. De fato há a
procuração. Numa delas, Eduardo Martins assina petições com outras bancas. Na
outra, não há nenhuma petição.
Eduardo Martins, em e-mail enviado à reportagem, disse que errou ao
emitir as notas fiscais. Isso porque, segundo ele, numa das notas ele não
deixou claro que o trabalho no ARESP tinha relação com a cautelar. “Nas informações
complementares de uma das notas, consta que a prestação do serviço se deu no
agravo em recurso especial em trâmite no STJ, cuja medida cautelar está
atrelada. Na outra não. O que pode gerar dúvidas quanto ao erro no
preenchimento, já que não atrelou o serviço à medida cautelar. Isso será
corrigido de imediato. Já que se trata apenas de um erro de preenchimento da
nota. O serviço, no caso, também foi atrelado a outra medida cautelar”.
Acontece que o advogado cobrou à parte pelas cautelares, em outras notas
fiscais. Somando, os valores chegam a R$ 15,5 milhões (R$ 10 milhões pelos
ARESPs, R$ 5,5 milhões pelas cautelares). Os pagamentos da Fecomércio foram
rápidos nessas cautelares, ainda em 2014. Em um dos processos, ele entra com
procuração em 20 de maio de 2014. No dia seguinte, o relator, ministro Napoleão
Nunes dá uma liminar favorável à permanência de Orlando Diniz no Sesc-Rio. No
dia 22, a Fecomércio-Rio – e não o Sesc – recebe a nota fiscal de Eduardo
Martins: R$ 3,5 milhões. No caso dos ARESPs que Eduardo Martins não tem
procuração, os pagamentos são de dezembro de 2015 e janeiro deste ano – 18
meses, portanto, depois dos trabalhos das cautelares.
Em 2014, os contratos da Fecomércio do Rio deveriam passar pelo crivo do
departamento jurídico da entidade, então comandado pela advogada Daniele
Paraíso. Ela é ex-mulher do presidente Orlando Diniz e hoje eles travam uma
disputa judicial em razão do divórcio. Questionada sobre os serviços de Eduardo
Martins, ela afirma que não o viu na Fecomércio para tratar dos casos milionários.
“Não o conheço e nunca ouvi seu nome nas reuniões. Nenhum processo, nenhuma
estratégia, nenhum documento ou revisão de peças foi tratado com ele.”
Segundo Daniele, a primeira vez que surgiu o nome do advogado foi no
final de 2014, ao fazer a prestação de contas daquele ano. Ela afirma que
recebeu então uma proposta de Eduardo Martins, com data retroativa a maio de
2014 – justamente quando foram feitos os pagamentos. “Eu só descobri que ele
existia quando fiz a prestação de contas e tive de pedir o contrato. E, mesmo
assim, o contato foi intermediado por outro advogado.”
Eduardo Martins diz que defende a Fecomércio desde 2014 e que, em
relação aos dois ARESPs, possui “petições e substabelecimentos em cautelares
vinculadas aos recursos em questão”. Eduardo Martins afirma que frequenta a
Fecomércio para tratar dos casos. “Surpreende a afirmação que funcionários
daquela entidade nunca tenham me visto, pois, com frequência, vou ao Rio de
Janeiro tratar dos assuntos da indigitada entidade, seja com a Diretoria e, ou,
com os demais advogados que atuam conjuntamente nos processos.” O advogado
disse ainda que a relação entre cliente e advogado é sigilosa, “não sendo
possível divulgar detalhes acerca dos contratos firmados”.
Procurada, a Fecomércio disse que “atua, institucionalmente e na forma
da lei, para defender a entidade e os seus representantes”. “A entidade é
privada e não expõe dados sobre colaboradores, contratados por serem
profissionais qualificados em suas áreas”, afirma em nota. O ministro Napoleão
disse que recebeu Eduardo Martins para tratar da medida cautelar. O ministro
não citou os ARESPs. “Informo que na MC 22.574, que envolve discussão jurídica
sobre a direção da Fecomércio/RJ, há representação profissional em favor do
Advogado EDUARDO FILIPE ALVES MARTINS, assunto esse que foi o objeto de sua
audiência comigo.” O ministro ressaltou que recebe em seu gabinete “todos os
advogados que me procuram, como também as partes, os estudantes em busca na
aprendizagem jurídica e outros interessados”.
Procurado, o ministro Humberto Martins afirma que não trata de processos
com o filho. “Eu não converso com meu filho sobre processos. Não sei nem de
quem ele é advogado e não falo com ministros sobre processos. Eu não sei nem o
endereço do escritório dele em Maceió, só sei o bairro”, afirma. O ministro diz
ainda que, caso ocorra de um processo do filho chegar à turma em que atua, ele
se declara impedido e não julga o caso. “Já comuniquei ao setor responsável no
STJ para que todo processo dos meus filhos, dos sócios e ex-sócios eu me
declaro impedido. Eu não tenho nenhum conhecimento sobre os processos”, disse.
No G1 FILIPE
COUTINHO
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