O brasileiro é racista e privilegia candidatos brancos ao votar.
Políticos corruptos se mantêm no poder porque o eleitor é ignorante. Quem
recebe Bolsa Família é conivente com o governo. ONGs são um ralo de dinheiro
público no Brasil. Será?
A julgar pelos estudos de duas jovens pesquisadoras brasileiras em
ciência política, não.
Natália Bueno e Nara Pavão, ambas de 32 anos, se destacam no meio
acadêmico no exterior com pesquisas robustas que desmistificam chavões da
política brasileira que alimentam debates em redes sociais e discussões de
botequim.
Natural de Belo Horizonte (MG), Natália faz doutorado em Yale (EUA), uma
das principais universidades do mundo. Em pouco mais de oito anos de carreira,
acumula 13 distinções acadêmicas, entre prêmios e bolsas.
A pernambucana Nara é pesquisadora de pós-doutorado na Universidade
Vanderbilt (EUA). Soma um doutorado (Notre Dame, EUA), dois mestrados em
ciência política (Notre Dame e USP), 16 distinções.
Em comum, além da amizade e da paixão pela ciência política, está o
interesse das duas em passar a limpo "verdades absolutas" sobre
corrupção, comportamento do eleitor e políticas públicas no Brasil.
Eleitor é racista?
O Brasil é um país de desigualdades raciais - no mercado de trabalho, no
acesso à educação e à saúde. Atraída pelo tema desde a graduação, Natália Bueno
verificou se isso ocorre também na representação política.
O primeiro passo foi confirmar o que o senso comum já sugeria: há,
proporcionalmente, mais brancos eleitos do que na população, e os negros são
subrepresentados. Por exemplo, embora 45% da população brasileira (segundo o
IBGE) se declare branca, na Câmara dos Deputados esse índice é de 80%.
E como a diferença foi mínima na comparação entre população e o grupo
dos candidatos que não se elegeram, a conclusão mais rasteira seria: o
brasileiro é racista e privilegia brancos ao votar.
Para tentar verificar essa questão de forma científica, Natália montou
um megaexperimento em parceria com Thad Dunning, da Universidade da Califórnia (Berkeley).
Selecionou oito atores (quatro brancos e quatro negros), que gravaram um trecho
semelhante ao horário eleitoral. Expôs 1.200 pessoas a essas mensagens, que só
variavam no quesito raça.
Resultado: candidatos brancos não tiveram melhor avaliação nem
respondentes privilegiaram concorrentes da própria raça nas escolhas.
Mas se a discrepância entre população e eleitos é real, onde está a
resposta? No dinheiro, concluiu Natália - ela descobriu que candidatos brancos
são mais ricos e recebem fatia maior da verba pública distribuída por partidos
e também das doações privadas.
A diferença média de patrimônio entre políticos brancos (em nível
federal, estadual e local) e não brancos foi de R$ 690 mil. E em outra prova do
poder do bolso nas urnas, vencedores registraram R$ 650 mil a mais em
patrimônio pessoal do que os perdedores.
Políticos brancos também receberam, em média, R$ 369 mil a mais em
contribuições de campanha do que não brancos. A análise incluiu dados das
eleições de 2008, 2010 e 2014.
"Se a discriminação tem um papel (na desigualdade racial na
representação política), ela passa principalmente pelas inequidades de renda e
riqueza entre brancos e negros que afetam a habilidade dos candidatos negros de
financiar suas campanhas", diz.
Corruptos estão no
poder por que o eleitor é ignorante?
A corrupção é um tema central no debate político atual no Brasil. E se
tantos brasileiros percebem a corrupção como problema (98% da população pensa
assim, segundo pesquisa de 2014), porque tantos políticos corruptos continuam
no poder?
A partir de dados de diferentes pesquisas de opinião - entre elas, dois
levantamentos nacionais, com 2 mil e 1,5 mil entrevistados -, a recifense Nara
Pavão foi buscar respostas para além do que a ciência política já discutiu
sobre o tema.
Muitos estudos já mostraram que a falta de informação política é comum
entre a população, e que o eleitor costuma fazer uma troca: ignora a corrupção
quando, por exemplo, a economia vai bem.
"Mas para mim a questão não é apenas se o eleitor possui ou não
informação sobre políticos corruptos, mas, sim, o que ele vai decidir fazer com
essa informação e como essa informação vai afetar a decisão do voto",
afirma a cientista política.
A pesquisa de Nara identificou um fator chave a perpetuar corruptos no
poder: o chamado cinismo político - quando a corrupção é recorrente, ela passa
ser vista pelo eleitor como um fator constante, e se torna inútil como critério
de diferenciação entre candidatos.
Consequência: o principal fator que torna os eleitores brasileiros
tolerantes à corrupção é a crença de que a corrupção é generalizada.
"Se você acha que todos os políticos são incapazes de lidar com a
corrupção, a corrupção se torna um elemento vazio para você na escolha do
voto", afirma Nara, para quem o Brasil está preso numa espécie de
armadilha da corrupção: quão maior é a percepção do problema, menos as eleições
servem para resolvê-lo.
Quem recebe Bolsa
Família não critica o governo?
O programa Bolsa Família beneficia quase 50 milhões de pessoas e é uma
das principais bandeiras das gestões do PT no Planalto. Até por isso, sempre
foi vitrine - e também vidraça - do petismo.
Uma das críticas recorrentes pressupõe que o programa, para usar a
linguagem da economia política, altera os incentivos que eleitores têm para
criticar o governo.
Famílias beneficiadas não se preocupariam, por exemplo, em punir um mau
desempenho econômico ou a corrupção, importando-se apenas com o auxílio no
começo do mês.
Deste modo, governos que mantivessem programas massivos de transferência
de renda estariam blindados contra eventuais performances medíocres. Seria,
nesse sentido, um arranjo clientelista - troca de bens (dinheiro ou outra
coisa) por voto.
Um estudo de Nara analisou dados do Brasil e de 15 países da América
Latina que possuem programas como o Bolsa Família e não encontrou provas de que
isso seja verdade.
"Em geral, o peso eleitoral atribuído à performance econômica e à
corrupção do governo é relativamente igual entre aqueles que recebem
transferências de renda e aqueles que não recebem", afirma.
A conclusão é que, embora esses programas proporcionem retornos
eleitorais para os governantes de plantão, eles não representam - desde que
sigam regras rígidas - incentivo para eleitores ignorarem aspectos ddo
desempenho do governo.
ONGs são ralo de
dinheiro público?
Organizações de sociedade civil funcionam como um importante instrumento
para o Estado fornecer, por meio de parcerias e convênios, serviços à
população.
Diferentes governos (federal, estaduais e municipais) transferem
recursos a essas entidades para executar programas diversos, de construção de
cisternas e atividades culturais.
Apenas em nível federal, essas transferências quase dobraram no período
1999-2010: de RS$ 2,2 bilhões para R$ 4,1 bilhões.
Esse protagonismo enseja questionamentos sobre a integridade dessas
parcerias - não seriam apenas um meio de canalizar dinheiro público para as
mãos de ONGs simpáticas aos governos de plantão?
Com o papel dessas organizações entre seus principais de interesses de
pesquisa, Natália Bueno mergulhou no tema. Unindo métodos quantitativos e
qualitativos, analisou extensas bases de dados, visitou organizações e
construiu modelos estatísticos.
Concluiu que o governo federal (ao menos no período analisado, de 2003 a
2011) faz, sim, uma distribuição estratégica desses recursos, de olho na
disputa política.
"A pesquisa sugere que governos transferem recursos para entidades
para evitar que prefeitos de oposição tenham acesso a repasses de recursos
federais. Outros fatores, como implementação de políticas públicas para as
quais as organizações tem expertise e capacidade únicas, também tem um papel
importante."
Ela não encontrou provas, porém, de eventual corrupção ou clientelismo
por trás desses critérios de escolha - o uso das ONGs seria principalmente
parte de uma estratégia político-eleitoral, e não um meio de enriquecimento
ilícito.
"Esse tipo de distribuição estratégica de recursos é próprio da
política e encontramos padrões de distribuição semelhantes em outros países,
como EUA, Argentina e México", diz Natália.
Corrupção é difícil de verificar, mas a pesquisadora usou a seguinte
estratégia: comparou ONGs presentes em cidades com disputas eleitorais apertadas,
checou a proporção delas no cadastro de entidades impedidas de fechar parcerias
com a União e fez uma busca sistemática por notícias e denúncias públicas de
corrupção.
De 281 ONGs analisadas, 10% estavam no cadastro de impedidas, e apenas
uma por suspeita de corrupção.
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