“Tem um furo aí pra você”. A palavra furo (de reportagem) já
estava em desuso naqueles idos dos anos 60. A voz era do detetive... vamos
chamar de Lino, parecia animada. Eu o conhecia pouco, mas alguém na redação
tinha me dito que era um cara “limpo”. O que era mais do que um elogio. Cara
limpo, ontem como hoje, era o que não levava grana. Não extorquia ou não criava
dificuldades pra vender facilidades. Bom, Lino talvez só recebesse propina dos bicheiros.
Bicheiros eram a fonte que melhorava o
salário dos policiais.
Agora traficantes e milicianos dão as cartas no mundo que é
o objeto das editorias de polícia.
“Lembra daquele caso da velhinha estrangulada naquela casa
no Riachuelo?” Eu lembrava, a velhinha tinha sido casada com um desenhista que
fizera charges para uma revista editada no começo do século 20. A matéria,
feita por mim, talvez um mês antes, teve chamada de primeira página. “Se você
quiser a gente pode buscar o cara,” continuou Lino.
A oferta me interessava. Relativamente novo na editoria de
polícia eu era olhado com um pouco de desconfiança pelo pessoal mais antigo.
Então conseguir dar a prisão do assassino da velhinha, eu imaginava, era uma
subida de status.
“O problema é que não tem viatura”, continuou Lino. “Têm
dois camburões quebrados e os dois carros tão em diligência”. Respondi que isso
não era problema, podíamos fazer a prisão no carro de reportagem. Era o que o
detetive esperava, eu acho.
Claro que isso contrariava as normas do jornal, mas eu
achava que se fosse o único a dar a prisão, esse detalhe seria esquecido.
Ninguém nunca soube. Motorista e fotógrafo eram parceiros.
Eram mais ou menos dez da noite quando o porteiro avisou que
tinha alguém a minha espera. A essa altura o motorista da Rural já sabia que
íamos sair por enquanto sem destino. Inventei uma história para os dois repórteres
que tinham acabado de me render no plantão e meia hora depois estávamos a
caminho da Rua Vinte e Quatro de Maio, no subúrbio de Riachuelo.
No caminho Lino contou que o marido da empregada era o
assassino. O homem era esperto. E frio, ele próprio chamou a polícia para
contar que, naquela noite quando viera buscar a mulher, encontrou-a amarrada
num canto da sala. Ele a livrou das cordas e os dois então encontraram o corpo
da viúva do chargista.
No dia do crime a mulher contou pra a polícia que dois
homens mascarados haviam entrado pela porta dos fundos e, em seguida tinham
obrigado a velhinha a dizer onde ela escondia o dinheiro. A empregada disse que
sua patroa tinha pouco dinheiro, apenas uns trocados que eles podiam levar; que
ela recebia só uma pensão por morte do marido. Mas não adiantou. Os dois homens
levaram a velhinha para os fundos da casa e ela ficou amarrada na sala.
Lino contou, quando a Rural deslizava por ruas quase vazias àquela
hora, que chegara a conclusão de que a empregada e o marido eram os assassinos
porque soubera por algum vizinho da existência de uma ex-empregada da casa. Ex-empregada
de confiança. O detetive foi atrás sozinho, era típico dele. Encontrou a mulher
em Magé e então soube que a viúva recebido uma razoável quantia em dinheiro.
Um funcionário do banco tinha procurado a velhinha em casa
para dar a notícia. Contra a opinião do funcionário do banco e da empregada de
confiança maços de notas foram levados para a casa num taxi. E singelamente escondidos
no colchão da cama onde a velhinha dormia. Além disso, a mulher também contou
que em algum lugar na casa havia uma boa quantidade de joias. Ela, agora numa
cadeira de rodas, sabia onde estavam.
O carro tinha entrado na rua da casa onde o crime tinha
acontecido. Era uma rua típica dos subúrbios: casas pequenas, bem próximas
divididas por muros baixos, quintais cimentados onde vira-latas latiam ao menor
sinal dos passos. Lino tinha perguntado, na noite do encontro do cadáver, se os
cachorros tinham dado sinal, mas a empregada não se lembrava.
Antes de sair do carro o policial desembrulhou um revólver,
e disse que a arma era dele, particular, registrada; se eu quisesse... “Sou só
o repórter”, lembrei. “Vou esperar aqui fora”.
A espera foi curta. Dez minutos depois o detetive apareceu
com o homem já algemado e a mulher segura pelo braço.
Eu e o fotógrafo viajamos sentados na frente, junto com o
motorista; Lino e os dois presos no banco de trás. A viagem foi curta. Uma
delegacia de bairro, próxima, recebeu o casal. No caminho eu já havia anotado
alguma coisa. Mais tarde fui chamado à sala onde os presos estavam.
O homem tinha sangue na boca. Sem maiores problemas, contou
como ele e a então empregada tinham tramado roubar o dinheiro do colchão e as
joias da velhinha. Como sabiam que a morta não tinha parentes – uma filha com
síndrome de Dow morrera cinco ou seis anos antes – decidiram continuar na casa.
Na redação, já pela madrugada, fechei a matéria. Desci para
tomar um conhaque num bar ali perto que não fechava nunca. Tomei dois. Esperei
a chegada do Tavares, um dos chefes da redação que chegava às cinco horas da
manhã. Lembrei a importância da matéria.
A edição que ia para outros estados, já estava praticamente
rodada e já não se usava o “parem as máquinas!” comum nos filmes americanos
sobre furos jornalísticos.
Mas no dia seguinte, na banca próxima de casa, na primeira
pagina estava a chamada com a prisão. A matéria também encabeçava a página de
polícia.