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sábado, 24 de fevereiro de 2024

Futurama

 A taxa de manutenção da população de um país é de 2.1% ao ano. Ou seja, para que um país possa manter estável o número de seus habitantes é necessário que, a cada ano, aconteçam 2.1% de novos nascimentos. No Brasil a taxa de fertilidade é de 1.6% da população. Então, segundo os entendidos, em 50 anos o Brasil terá metade dos homens e mulheres e gays que tem hoje. O mercado, claro, terá encolhido mais ou menos na mesma proporção.

São dados que, pelo menos no, não parecem fazer parte da preocupação de governantes, políticos e proprietários e/ou acionistas dos grandes conglomerados industriais, fazendas e bancos. A tempestade já se mostra no horizonte, mas pouca gente, alguns cientistas, talvez, está prevendo um futuro no qual a História vai, mais uma vez, mudar radicalmente as regras do jogo.

E a mudança social pode ser tão ou mais radical do que a Revolução Francesa de 1789.

É mudança com a qual devemos nos preocupar porque em quase todo o mundo está acontecendo à mesma coisa. E isso transforma as relações sociais de forma radical.

Até agora os proprietários dos meios de produção não tinham muito com que se preocupar. Um mercado, há anos globalizado, quase infinito, estava pronto a comprar o que suas indústrias produziam: de aviões de guerra a bonecas Barbie. De gigantescas máquinas agrícolas a telefones celulares de última geração.

Os limites, ainda hoje, parecem não existir. Apesar do pé no freio no Ocidente rico, populações dos países chamados de “em desenvolvimento” continuam a crescer, embora não com os números explosivos de décadas passadas.

Mas partir de agora começa um mundo com relações que ainda desconhecemos por completo. Quantos automóveis a menos serão necessários produzir para uma população que rapidamente vai se reduzir a metade? E diminuir, ou adequar, a produção de automóveis a números decrescentes de população que reflexos produzirá na indústria como um todo?

E o mercado? Como vai sobreviver esse Deus da era capitalista se os compradores são cada vez em menor número. E como vai ser resolvido o problema do desemprego em massa provocado pela substituição do Trabalho pela tecnologia? É bom lembrar que estamos caminhando rapidamente para um novo estágio da mecanização. O progresso atinge agora não apenas os trabalhadores braçais, mas também quem faz programação de computadores.

Máquinas agrícolas, só para dar um exemplo, já não precisam de alguém especializado em conduzi-las enquanto fazem a colheita de grãos. E trabalham dia e noite, sem precisar de descanso. Os táxis sem motoristas que no momento vem causando problemas de trânsito em algumas cidades da Europa, em breve devem ser tornados mais seguros. E serão ainda mais quando outros veículos também forem dirigidos por computadores à distância.

Mesmo que a semana de trabalho seja reduzida para quatro e depois três dias, o que acontece mais tarde? Claro haverá milhões de desempregados que antes de perderem seus empregos formavam a massa que chamamos de Mercado.

Deve ser acrescentado que o avanço da medicina e nas condições da vida em sociedade está fazendo com que populações de humanos tendam a viver cada vez mais. Quem vai pagar a conta das aposentadorias, já que o número de nascimentos rapidamente será muito menor do que as mortes por velhice? 

Elon Musk, o dono as SpaceX, já escreveu nas redes sociais que no futuro “precisará haver uma renda” (por enquanto nem ele sabe de onde virão esses recursos), para fazer face aos milhões e milhões de pessoas que a tecnologia (inserida aí a Inteligência Artificial) vai tornar simples desocupados em um espaço de tempo mais curto do que imaginamos.

Países como Canadá e Austrália já estão abrindo as portas para estrangeiros que desejem vir morar e trabalhar em suas cidades, porque precisam de mão de obra e de compradores para o que é produzido lá. A população desses países está diminuindo. E já começam a oferecer facilidades para quem tem habilitação profissional em várias áreas.

A França, dentro de alguns anos, será um país muçulmano. (se essa religião, como outras, resistir ao impacto da ciência sobre seus dogmas). Isso porque raros franceses estão querendo ter filhos e a mão de obra das ex-colônias está cada vez mais presente na economia local. Argelinos e descendentes tendem a ter mais filhos do que os franceses originais.

Possíveis respostas

É interessante observar que apesar do olhar ainda passivo sobre o futuro próximo, talvez por “instinto" o tempo dedicado ao lazer já está sendo ampliado em todo o mundo. Os esportes, por uma espécie de instinto natural, estão ganhando cada vez mais espaço na programação das TVs e celulares. Canais especializados em futebol estão se espalhando e o interesse por bons campeonatos aumenta rapidamente. Países árabes estão no momento contratando a peso de ouro um bom número de jogadores de primeira linha que disputavam campeonatos europeus. Ou seja, por instinto já prevemos que é preciso inventar alguma coisa para as horas de ócio que rapidamente aumentam.

Novas formas de esporte profissional surgem todo dia (no momento discute-se o ingresso dessas novas modalidades já nas próximas Olimpíadas de Paris.). Recentemente o surf e o skate passaram a serem modalidades olímpicas. A indústria naval, por sua vez a cada dia nos mostra um navio de turismo maior e mais confortável que o precedente. Cantores e cantores conhecidos (Carly Simon, por exemplo), já estão se apresentando nos roteiros turísticos desses navios.

É possível que os humanos se adaptem a uma vida de lazer quase permanente, e deixem a inteligência artificial pensar (e fazer) por eles. Afinal a beira de uma piscina é um local bem mais agradável que uma planta de fábrica barulhenta e mal cheirosa.

 

 

 

 

 

 

quinta-feira, 15 de fevereiro de 2024

1922 – Cem anos de eleições em Teresópolis

“Dos quatro candidatos a presidente em 1945, o general Dutra contou com o apoio da máquina administrativa da Prefeitura, em Teresópolis, sob o controle dos políticos indicados pelo antigo modelo ainda no poder, enquanto o brigadeiro Eduardo Gomes teve o apoio de diversas outras lideranças emergentes, e de oposição ao governo municipal...”

Dutra o ex-ministro da Guerra (era assim que se chamava o atual ministério da Defesa) de Getúlio Vargas era visto como a continuidade no poder do homem que liderou a Revolução de 30 e pôs um fim na “República do Café com Leite”. Café de São Paulo, leite de Minas Gerais, estados que se alternavam no poder. O Brasil era até ali governado pelos mesmos fazendeiros que tinham, no final do século 19, apeado do poder imperador D. Pedro II.

Getúlio deu o pontapé inicial na industrialização do país, e por ter criado as Leis Trabalhistas ganhou o apreço da classe trabalhadora, principalmente nas grandes cidades, mas, como se poder ver pelos resultados da eleição em Teresópolis, não só nas grandes cidades. Isso explica por que mesmo afastado do poder o ex-ditador pôde fazer seu sucessor um general opaco, sem expressão política, mas  de sua total confiança, e voltar ao Palácio do Catete na eleição que se seguiu. 

“O general Eurico Gaspar Dutra - que assumiria o mandato em 31 de janeiro de 1946, deixando o cargo em 31 de janeiro de 1951 teve boa relação com Teresópolis – venceu a eleição  com 55,39% dos votos, (...) chegando em seguida Eduardo Gomes com 34,74%, fazendo 9,71% o ex-prefeito de Petrópolis, Yedo Fiuza, e por último o candidato Mario Rolim Telles do PAN.”

O livro 1922 do jornalista e pesquisador Wanderley Peres faz a contextualização do que se passa na cidade com o que acontecia no Brasil nos anos que se seguiram a ditadura Vargas. O livro aprofunda momentos especiais da política na cidade, através de uma pesquisa rigorosa. Assim ficamos sabendo das histórias que ocorreram nas eleições nos últimos 100 anos, e as consequências que chegam até nossos dias. 

Prefeitos corruptos ou pelo menos suspeitos de, Prefeitos que não "esquentaram a cadeira", presidentes da Câmara (os prefeitos na prática antes da instituição da prefeitura)vítimas de tiroteio em dias de eleição. Grandes realizadores e gente que nada fez enquanto no cargo, Toda essa estirpe de eleitos que frequentou o poder no município nos últimos 100 anos está, detalhada em 1922, compondo uma História que chega até nossos dias.

É muita coisa a ser contada e o autor da pesquisa trabalha com documentos oficiais e matérias publicadas nos jornais locais. Assim a linguagem da época é mantida o que dá ao livro um sabor especial. Nem mesmo as intervenções do pesquisador quebram esse clima, o que dá maior autenticidade a 1922.

Os livros de Wanderley Peres que tratam da história de Teresópolis tem esse mesmo rigor nas informações que passam aos leitores. Rigor, no entanto, que pela experiência do autor com o texto jornalístico torna a leitura leve, agradável. 1922 ano das primeiras eleições municipais no município é também o ano em que se comemoravam 100 anos da Independência e a Semana de Arte Moderna detonava a influência estrangeira (principalmente francesa) na cultura brasileira.

 Alvissaras!!! diria um escritor da época.

quarta-feira, 24 de janeiro de 2024

Cachorro Morto

 Estou escrevendo às 14h40min de quarta-feira, 24 de janeiro. Leio nos jornais notícias sobre a greve geral na Argentina; até o momento não parece acontecer nada de mais grave nas ruas de Buenos Aires. A situação da economia por lá vem se deteriorando há anos e a inflação pode ter chegado a 211,4%. Quarenta por cento dos argentinos estão na pobreza. 

O presidente Javier Milei a essa altura do campeonato deve estar no cemitério dos cachorros de Buenos Aires, mais exatamente no túmulo de seu cachorro morto, procurando conselhos sobre como proceder não só contra a greve, aliás, parcial e de apenas algumas horas de duração, mas também para saber como lidar com um Congresso que ameaça jogar no lixo todas as suas promessas de campanha.

Se você não nunca ouviu falar em Milei saiba que a história do cachorro morto, que é seu conselheiro, foi ele mesmo que contou durante a campanha.    

domingo, 7 de janeiro de 2024

Xadrez

Chamava-se Luis Carlos, mas era conhecido pelo apelido, Zica. Deveríamos ter em torno de 13, 14 anos éramos vizinhos no Leblon e ele era um exímio enxadrista. Eu tinha interesse no jogo; aprendi a mover as peças corretamente, mas entre esse estágio e saber jogar havia uma distância brutal. Então enfrentar Zica no tabuleiro era a certeza de tomar o chamado xeque do pastor. Ou seja, em três ou quatro jogadas você era contemplado com um xeque-mate inapelável.

Jogando com outros aprendizes cheguei a vencer duas ou três partidas, mas a suprema glória foi derrotar, por desistência, um adversário bem mais experiente. E apontado como alguém credenciado a “ser derrotado com dignidade”, toda vez que enfrentava o mago Zica.

A “fama” acompanhou minha vitória e fui desafiado por outros vizinhos do prédio. Não joguei, preferi manter aquela aura de vencedor enquanto desse. Mas para meu desgosto chegou o dia em que tive que dar revanche ao meu adversário.

No espaço entre um jogo e outro eu havia encontrado, na estante de meu pai, um velho livro que mostrava vitórias de Capablanca, enxadrista cubano conhecido por derrotar jogadores russos, nos anos 40/50. Os russos já eram os melhores do mundo.

Custei a entender os números que mostravam os movimentos feitos por Capablanca e adversários. Mas entendi e numa noite chuvosa, no corredor do sétimo andar, sentados no chão, dei a revanche a meu adversário. E venci de novo. Não sei como, acho que o cara estava nervoso e abandonou o jogo quando o xeque-mate era uma possibilidade ainda meio distante.

Minha fama cresceu entre os adolescentes dos prédios vizinhos. O pai de um amigo mais próximo veio me cumprimentar e desejar que eu continuasse a jogar, que iria longe, que o xadrez ajudava no raciocínio, melhorava a visão espacial, além de outros benefícios.

Fui incentivado por vários garotos - nessa época meninas nunca estavam por perto - a desafiar o poderoso Zica. Não desafiei, alguém fez isso por mim e até hoje acho que foi pura sacanagem. Disseram que eu estava pronto. E, incrível, eu quase acreditava. Até ganhei, de um parente distante um belo tabuleiro com peças que pareciam de marfim. Só pareciam.

No grande dia apareceu até uma mesinha, dessas de armar e alguém foi buscar duas cadeiras no apartamento ao lado. O gênio estava sorridente e, claro, absolutamente confiante. Estava com as brancas e fiz o primeiro movimento. Zica fez o mesmo sem olhar para mim.

Cinco minutos depois eu estava encurralado, o xeque-mate muito próximo. Alguém me recomendou a desistência pura e simples. Antevi o mate inapelável dois movimentos depois. Derrubei o rei e me surpreendi com a mão do fabuloso Zica estendida na minha direção.

Peguei o elevador sozinho, desci em casa no sétimo andar. Nunca mais joguei xadrez.     

sábado, 6 de janeiro de 2024

Fantasma do meio-dia

 Aconteceu com a minha avó e duas irmãs dela bem antes do meu nascimento. Deve ter sido nos primeiros anos do século 20.

De uma das janelas laterais da casa do meu avô em São Cristovão avistava-se o Morro do Telégrafo, naquele tempo um pedaço de mata atlântica, onde começavam a despontar alguns barracos tristes. Depois, já na minha infância, o número tinha aumentado, mas havia também casas de alvenaria, construídas por uma classe média pobre.

É bom lembrar que, nos primeiros anos do século 20, os barracos eram de madeira e o telhado de zinco. E serviam de inspiração para algumas letras de músicas do cancioneiro popular daqueles tempos.  

Então da janela lateral era possível ver casas no meio da mata e duas ou três servidões por onde os moradores desciam até o Largo do Pedregulho. Ali havia um pequeno comércio, farmácia, quitanda, açougue, barbeiro, uma oficina para conserto de aparelhos de rádio. E um belo chafariz, que diziam ser do tempo do imperador Dom Pedro II.

Acontece que volta e meia um fantasma aparecia no meio da mata - durante o dia - fazendo com que minha avó e as irmãs se ajoelhassem imediatamente para rezar e exorcizar a aparição. Os filhos mais velhos da minha avó, meus tios, eram ainda crianças pequenas, mas na casa morava um agregado. Com status parecido ao de José Dias, celebrado nas páginas de Dom Casmurro de Machado de Assis.

Devia contar pelos 25 anos, nunca trabalhou e a tuberculose que adquiriu era atribuída a uma vida de farras, exageros e, suponho, muita bebida. Seu nome completo eu nunca soube; era chamado apenas de Ventura. Sobre essa personagem havia histórias meio fantásticas, e uma tarde vendo ajoelhadas as tias – ele era um sobrinho meio distante da minha avó - ficou impressionado, mas não disse nada a ninguém da casa.

Nos dias que se seguiram passou a ficar de tocaia no caminho do fantasma. E, é claro, pegou envolvido num lençol o ajudante do quitandeiro, que aproveitava a hora de almoço para aterrorizar as velhinhas das redondezas. O fantasma desceu do morro sob uma chuva de cascudos e teve que se desculpar, ajoelhado, com minha avó e irmãs.

A morte do agregado Ventura, anos mais tarde, teve uma aura de heroísmo. No seu último dia de vida ele chamou meu avô no quarto e disse que ia morrer naquela noite. Mas advertiu que as chamadas exéquias só poderiam acontecer na tarde do dia seguinte: meu tio mais velho, João, tinha uma prova no Colégio Militar pela manhã e não podia faltar.

Seu desejo foi cumprido.          

O fantasma de chapéu

 

Era uma noite de muita chuva e a pauta não era nada segura. A informação tinha sido passada por um velho repórter, apenas contando o tempo pra aposentadoria. Segundo ele havia um corpo numa daquelas ruas sem saídas comuns no bairro, próximo ao centro da cidade.

Quando chegamos à subida – o bairro todo ficava no alto de um morro – uma cascata descia pela rua. Papéis, garrafas, plásticos, pedaços de madeira desciam junto ao meio fio do lado esquerdo. O motorista hesitou um segundo. Depois engatou a primeira e a Rural Willis com tração nas quatro rodas começou a subida. Passava de onze da noite.

Conhecedor de toda a cidade, Salvador Caso (”Caso” era o apelido dato pelos colegas de trabalho porque o motorista gostava de inventar “casos”, com mulheres que moravam nas redondezas). Talvez um ou dois fosse real. Caso conhecia cada rua, cada praça, cada servidão dos bairros do Rio. Dediquei uma praga ao inventor da pauta, mas assim que dobramos a esquerda vimos o camburão da civil com as luzes acesas.

Tive que puxar o lençol molhado que cobria o corpo para ver o ferimento a bala no rosto de um homem de menos de trinta anos. O fotógrafo bateu duas fotos. Para o arquivo do jornal, que não publicava fotos de mortos anônimos. Sentei na parte da frente do camburão. O detetive, que eu conhecia, e outro policial discutiam irritados.

O local onde estávamos parados era assombrado, segundo moradores. O fantasma de um homem alto e magro, usando um chapéu enterrado na cabeça - ninguém conseguia ver o rosto na escuridão - costumava andar exatamente no trecho da rua onde estava o morto. O detetive acabara de ver o fantasma e seu companheiro debochava. O terceiro policial, no banco de trás do camburão não sabia a quem dar razão.

Copiei os dados que estavam na carteira de identidade e na carteira de trabalho; o morto estava, talvez, a procura de emprego. O detetive passou as poucas informações obtidas com moradores do lugar: horário presumível, uma discussão aos gritos antes do tiro. E só. Ninguém conhecia o morto.

Quinze minutos mais tarde a chuva, que não parava, confundiu Salvador Caso e depois de rodarmos por algum tempo acabamos saindo da mesma rua onde ainda estavam o carro da polícia e o corpo. A discussão agora era entre Salvador Caso e o fotógrafo Ivanildo. Caso tinha visto o tal fantasma dois ou três minutos atrás. O fotógrafo não acreditava. Como é que ele sentado do lado não tinha visto nada!

Fizemos o retorno e logo depois estávamos a caminho do jornal, no centro da cidade. A chuva continuava forte e tivemos que entrar correndo na portaria do jornal. Amaldiçoei aquela pauta que não ia render nada e fiz uma notinha de cinco linhas, apenas pra registro, pensando divertido no homem alto de chapéu que tinha visto atrás de uma árvore no meio da mata onde a rua sem saída terminava.

 

quinta-feira, 4 de janeiro de 2024

Futurama

 È possível que a conversa fiada de donos do Poder, através dos séculos, esteja começando a ser desafiada. É até possível que as religiões, ou pelo menos as mais vivas no planeta - importantes instrumentos de dominação - estejam começando a ver suas doutrinas seriamente abaladas.

O restante da raça humana, ou pelo menos parte dela, começa a perceber que o poder exercido por industriais, banqueiros, grandes agricultores, através de deuses inventados, não é assim tão legítimo como propagavam as instituições até o século passado.

Nesse capítulo igrejas, importantes instrumentos de poder da Classe Dominante através dos séculos, começam a perceber que seus fiéis já não acreditam mais cegamente que é preciso morrer para gozar dos prazeres de um paraíso prometido.

É claro que grupos evangélicos & assemelhados, nos países mais pobres da America Latina, Ásia e África podem até estar em expansão, substituindo ou sobrepondo-se ao catolicismo dos ricos ou de pessoas de classe média alta. Conforme proposto pelo Papa Carol Woytila.

O problema é que o desenvolvimento da tecnologia está mudando o trabalho e exigindo mão de obra cada vez mais qualificada. E o conhecimento necessário para tal vai destruindo os instrumentos religiosos a serviço da dominação.

Grandes massas, como essa que no momento - início de 2024 - se desloca em busca de uma vida melhor nos Estados Unidos, talvez ainda acreditem, pelo menos em parte, nos carcomidos deuses cristãos, mas não temem mais o castigo do inferno só porque desejam comida e moradia com dignidade.

E diversão também. Pouquíssimos são os humanos que ainda querem uma vida monástica, frugal, de preparação para um céu com anjinhos tocando harpas, rios de mel, e outros parangolés prometidos pelos papas, pastores & auxiliares menos qualificados.

A História avança. E muda o mundo. Quem leu alguma coisa sobre mudança social através dos séculos sabe que a Antiguidade, a era dos grandes impérios, Egito, Mesopotâmia, Roma, foi sucedida pelo que se chamou então de Idade Média: o fracionamento desses impérios em reinos, principados e condados, durou séculos.

Até ser sucedido, por sua vez, pela Era que chamamos de Moderna e a chegada ao capitalismo.

O aparecimento dos estados nacionais, com a chamada democracia do voto livre, na prática a substituição de reis, imperadores, sheiks por burgueses ricos, proprietários dos meios de produção (fábricas, terras para plantio, bancos) não alterou muito o quadro mundo afora.

A economia, o motor das mudanças sociais através dos séculos, também sofreu profundas mutações. Da caça e coleta feita pelos primeiros grupos de humanos, passamos pela agricultura que foi seu mais importante viés até o século 18 e chegamos à era industrial.

Iniciada no século 18 na Inglaterra, elevada ao máximo de sucesso nos dois séculos seguintes nos Estados Unidos, as grandes fábricas com milhares de operários começam a dar lugar a novos tipos de trabalho. Menos braçal, mais intelectual, acompanhado da automatização sem precedentes em todos os níveis da vida social.

E tudo isso possivelmente sob a regência da Inteligência Artificial.

Uma coisa é certa, as mudanças sociais que demoravam séculos são cada vez mais rápidas e profundas. Nos final dos anos 60, um passado muito recente em termos de história, acreditou-se que as viagens interplanetárias dariam o tom do futuro. Não aconteceu. O que tomou conta da história foram as relações via Internet. Alguém tem ideia do que seremos daqui a dez anos?

Num mundo futuro, do qual estamos mais próximos do que nunca aconteceu na História, será cada vez mais difícil acreditar em hóstias sagradas ou em dízimos que abrem caminho para o Céu.

Os donos dos meios de produção vão precisar inventar novas fórmulas de dominar quem trabalha para eles.