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terça-feira, 9 de abril de 2019

A teoria furada do crescimento do bolo






Deu no Estadão de sábado:

Na festinha de aniversário da chinesa Alibaba, poucos convidados são do ocidente. A dona da AliExpress chega aos 20 anos hoje empenhada em crescer no varejo do seu próprio país e de nações vizinhas.  Fora desses mercados, os investimentos da gigante de tecnologia são mais pontuais e diversificados: bicicletas, inteligência artificial, carros elétricos e até produção de filmes. (...) Boa parte dos esforços está concentrada em alimentar toda a cadeia do varejo chinês – de serviços de logística a gerenciamento de estoques. A Ant Financial, por exemplo, surgiu como uma forma de ajudar no funcionamento do sistema de pagamentos do país e hoje possui um bilhão de usuários ativos. Já o Taobao, site de vendas feitas exclusivamente para a China, já é o maior e-commerce do mundo (...) E a gigante ainda tem espaço para crescer, já que o varejo da China deve avançar 7,5% este ano, ante os 3,5% nos Estados Unidos, segundo a consultoria eMarketer.

Pois é. No mercado chinês, o protagonista é o consumidor... chinês! Ao contrário do que acontece no Brasil, os governantes chineses têm como prioridade manter aquecido seu mercado interno. Que gira em torno de um bilhão de consumidores.

O mercado se mantém aquecido porque os governantes chineses apostaram na incorporação de massas de trabalhadores rurais, vivendo na linha de pobreza, a um relativamente novo e gigantesco segmento urbano com enorme capacidade de compra/consumo.

Foi o necessário para os avanços da economia chinesa nos últimos tempos, com crescimento em torno de 6, 7.5% ao ano. A Alibaba nem precisa sair pelo mundo à procura de compradores para seu gigantesco portfólio. Trabalhar o mercado interno é suficiente para a empresa chegar a números astronômicos.

Enquanto a preocupação dos chineses é focada na incorporação de novos segmentos da população ao mercado, via aumento de salários, no Brasil a ideia do novo governo é seguir a idosa (e desastrosa) máxima do ex-ministro da Fazenda Antônio Delfim Neto, durante a ditadura. Naqueles tempos, segundo o ministro, “era preciso fazer o bolo crescer para então dividir”,

O bolo, é claro, não cresceu – uma população sem dinheiro não vai às compras, o mercado permanece estagnado, as indústrias trabalham a meia bomba, o comércio tem vendas também restritas, a busca por serviços diminui, o desemprego aumenta e vai por aí, no chamado círculo vicioso.

Embora sem o peso da ditadura, a economia continuou patinando. A queda da inflação durante o governo Itamar Franco até reduziu a pressão sobre os trabalhadores e a economia pareceu, por alguns meses, ganhar fôlego.

Mas a persistência das mesmas práticas acabou com o capital político de Fernando Henrique Cardoso. O PIB brasileiro (quem duvida é só dar uma olhadinha no Google) ficou no vergonhoso 15º lugar, segundo números do FMI, Banco Mundial e ONU.

No governo Lula a situação mudou. Surgiram programas que incentivaram o aumento da capacidade de consumo através do aumento real do salário mínimo, extensão do Bolsa Família, indução ao investimento em programas geradores de mão de obra, como a construção civil, e outras medidas com a mesma finalidade. Pela via do consumo, o PIB brasileiro passou de 15º a 7º (uma outra consulta ao Google  não faz mal a ninguém),

Os governos Dilma Rousseff (em meados do segundo mandato) e Temer retomaram as práticas conservadoras na economia. Bolsonaro, que já está tendo sérios problemas com sua incapacidade de gestão, (ele mesmo disse que nasceu para ser militar e não presidente da república) começa a seguir o caminho da vaquinha rumo ao brejo.

Então, quando o governo fala numa reforma de Previdência para aumentar a capacidade de investimento do Estado é preciso olhar a coisa com muitas reservas.

Em primeiro lugar, o Estado brasileiro está altamente endividado. A massa de dinheiro despendida para rolar essa dívida é que reduz sua capacidade de investimento e não o custo da aposentadoria dos velhinhos. Os juros altos para o pagamento desta dívida faz a alegria do sistema financeiro.

Em segundo lugar, com 13 milhões de desempregados e subempregados não há a mínima possibilidade de recuperação da capacidade de investimentos estatais, via aumento na arrecadação de impostos.

Enquanto procura uma saída para pagar as contas, fazendo com que pobres e classe média cheguem mais tarde aos benefícios da Previdência – o que implica em reduzir o mercado de trabalho para segmentos mais jovens em busca do primeiro emprego – a desigualdade – já identificada por 84% dos brasileiros como a causa de nossos problemas de crescimento, segundo pesquisa publicada nesse fim de semana pela Oxfam - é ignorada e a economia permanece patinando.

O lamentável é com uma população de 240 milhões, a quinta maior do mundo, a classe dominante brasileira não tenha a cultura dos chineses que, desde o século passado sabem que o crescimento da economia só é possível pela via de um mercado interno poderoso e que esse mercado só se faz poderoso pelo aumento da capacidade de compra da população.


terça-feira, 2 de abril de 2019

Trilobitas




É possível que as coisas comecem a se complicar já para o capitão Jair Bolsonaro. Isso porque em seus arroubos, o presidente eleito pode estar criando sérios problemas para a classe empresarial brasileira, basicamente os que têm seus negócios dependentes do mercado externo.

A tentativa de trocar a Organização Mundial do Comércio, OMC, pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômicos, OCDE, a convite do presidente americano Donald Trump, pode adicionar mais problemas na já complicada nova política externa brasileira, afetando o comércio. O Brasil já tem participação na OCDE, como observador, mas esse não é o problema.

O problema é que, na tentativa de bajular os americanos, o governo negligencia sua presença na OMC, fórum normalmente utilizado para resolver pendengas no mercado internacional, onde é possível “falar de igual para igual" com outros participantes. (Já aconteceu e o país teve suas reclamações atendidas).

A OCDE é um clube de ricos onde a posição brasileira é (e será) de nenhuma importância. Se não fosse assim, o país já seria sócio-atleta da organização faz tempo.

Hoje pela manhã em entrevista à Globonews, os empresários manifestaram sua preocupação com os delírios do governo, nesse capítulo.

Na obsessão de demonstrar uma postura serviçal ao governo norte-americano, Bolsonaro vai enveredando por um viés ideológico, característico dos tempos de Guerra Fria, jogando na lata do lixo uma postura de neutralidade que caracterizava as posições do Brasil nos últimos 40 anos.

O presidente e seu séquito de seguidores com cérebro de trilobita não têm a menor ideia do que pode representar a ameaça de levar para Jerusalém a embaixada do Brasil em Israel. O comércio do Brasil com o país de Bibi Nethanyaho gira em torno de US$ 321 mil. Com os árabes a coisa toda vai a US$ 8 bilhões, principalmente carnes tratadas especialmente para consumo dos seguidores do Islã.

A brincadeira pode afetar uma parte do agronegócio que, como um todo, jogou suas fichas na eleição de Bolsonaro no segundo turno. (No primeiro, os ruralistas apostavam no candidato do PSDB).

Bolsonaro ainda não sabe, mas não tem cacife para enfrentar os interesses de banqueiros, rentistas, industriais e multinacionais. Se sair da linha terá o mesmo destino de Dilma Rousseff, seja lá qual for o pretexto para sua derrubada.

O presidente, é bom lembrar, está voltando às pressas de Israel, reduzindo em um dia sua visita ao país do muro das lamentações.

Na semana passada, o vice-presidente general Hamilton Mourão teve um encontro com 500 empresários. Mourão, que sonha diuturnamente com o palácio do Planalto, é a garantia de uma transferência de poder sem as turbulências que tanto assustam o mercado. Pelo contrário, um governo à direita, mas sem trilobitas no ministério e a volta de uma postura de neutralidade povoam os sonhos da classe dominante.

Por outro lado, esse pessoal pode ter esperanças de conseguir já uma reforma da Previdência mais a seu gosto, sem as encrencas previsíveis que se avizinham, graças ao total desinteresse do presidente em lidar com questões que não incluam o combate permanente às pautas que ele e seus trilobitas consideram esquerdizantes.

Mas é bom não inflar as esperanças. Saem os trilobitas, mas não mudam os rumos. 

PS. Saiu na Globonews agora: O Brasil caiu em 2018 da 26ª posição para o 27º lugar entre os maiores exportadores do mundo, segundo relatório anual divulgado nesta terça-feira (2) pela Organização Mundial do Comércio (OMC).   

Segundo a Wikipédia...  

...os trilobitas (português brasileiro) ou trilobites (português europeu) são artrópodes característicos do Paleozoico, conhecidos apenas do registro fóssil. O grupo, classificado na classe Trilobita da subclasse Trilobitomorpha, é exclusivo de ambientes marinhos. Os trilobitas possuíam um exoesqueleto de natureza quitinosa que, na zona dorsal, era impregnado de carbonato de cálcio, o que lhes permitiu deixar abundantes fósseis. Seu nome (trilobita) é devido à presença de três lobos que podem ser visualizados (na maior parte dos casos) em sua região dorsal (um central e dois laterais).



No seu começo, em 1947, a OCDE denominava-se Organização para a Cooperação Econômica (OECE) e era composta apenas por países europeus. Foi criada com a finalidade de executar o Plano Marshall, um plano financeiro concebido pelos Estados Unidos, para a reconstrução dos países da Europa devastados após a Segunda Guerra Mundial. Em 1960 os EUA e Canadá mostraram interesse em fazer parte da organização. Com a entrada em vigor de uma nova convenção assinada pelos países associados, em 30 de Setembro de 1961 nasceu oficialmente a OCDE.