Deu no Estadão de sábado:
Na festinha de
aniversário da chinesa Alibaba, poucos convidados são do ocidente. A dona da AliExpress chega aos 20 anos
hoje empenhada em crescer no varejo do seu próprio país e de nações vizinhas.
Fora desses mercados, os
investimentos da gigante de tecnologia são mais pontuais e diversificados:
bicicletas, inteligência artificial, carros elétricos e até produção de filmes.
(...) Boa parte dos esforços está
concentrada em alimentar toda a cadeia do varejo chinês – de serviços de
logística a gerenciamento de estoques. A Ant Financial, por exemplo,
surgiu como uma forma de ajudar no funcionamento do sistema de pagamentos do
país e hoje possui um bilhão de usuários ativos. Já o Taobao, site de vendas
feitas exclusivamente para a China, já é o maior e-commerce do mundo (...) E a gigante ainda tem espaço para
crescer, já que o varejo da China deve avançar 7,5% este ano, ante os 3,5% nos
Estados Unidos, segundo a consultoria eMarketer.
Pois é. No mercado chinês, o protagonista é o consumidor...
chinês! Ao contrário do que acontece no Brasil, os governantes chineses têm como
prioridade manter aquecido seu mercado interno. Que gira em torno de um bilhão
de consumidores.
O mercado se mantém aquecido porque os governantes
chineses apostaram na incorporação de massas de trabalhadores rurais, vivendo
na linha de pobreza, a um relativamente novo e gigantesco segmento urbano com enorme
capacidade de compra/consumo.
Foi o necessário para os avanços da economia chinesa
nos últimos tempos, com crescimento em torno de 6, 7.5% ao ano. A Alibaba nem
precisa sair pelo mundo à procura de compradores para seu gigantesco portfólio.
Trabalhar o mercado interno é suficiente para a empresa chegar a números
astronômicos.
Enquanto a preocupação dos chineses é focada na
incorporação de novos segmentos da população ao mercado, via aumento de
salários, no Brasil a ideia do novo governo é seguir a idosa (e desastrosa)
máxima do ex-ministro da Fazenda Antônio Delfim Neto, durante a ditadura. Naqueles
tempos, segundo o ministro, “era preciso fazer o bolo crescer para então dividir”,
O bolo, é claro, não cresceu – uma população sem
dinheiro não vai às compras, o mercado permanece estagnado, as indústrias
trabalham a meia bomba, o comércio tem vendas também restritas, a busca por
serviços diminui, o desemprego aumenta e vai por aí, no chamado círculo
vicioso.
Embora sem o peso da ditadura, a economia continuou
patinando. A queda da inflação durante o governo Itamar Franco até reduziu a
pressão sobre os trabalhadores e a economia pareceu, por alguns meses, ganhar
fôlego.
Mas a persistência das mesmas práticas acabou com o
capital político de Fernando Henrique Cardoso. O PIB brasileiro (quem duvida é
só dar uma olhadinha no Google) ficou no vergonhoso 15º lugar, segundo números
do FMI, Banco Mundial e ONU.
No governo Lula a situação mudou. Surgiram
programas que incentivaram o aumento da capacidade de consumo através do aumento
real do salário mínimo, extensão do Bolsa Família, indução ao investimento em
programas geradores de mão de obra, como a construção civil, e outras medidas
com a mesma finalidade. Pela via do consumo, o PIB brasileiro passou de 15º a
7º (uma outra consulta ao Google não faz
mal a ninguém),
Os governos Dilma Rousseff (em meados do segundo
mandato) e Temer retomaram as práticas conservadoras na economia. Bolsonaro,
que já está tendo sérios problemas com sua incapacidade de gestão, (ele mesmo
disse que nasceu para ser militar e não presidente da república) começa a
seguir o caminho da vaquinha rumo ao brejo.
Então, quando o governo fala numa reforma de
Previdência para aumentar a capacidade de investimento do Estado é preciso
olhar a coisa com muitas reservas.
Em primeiro lugar, o Estado brasileiro está
altamente endividado. A massa de dinheiro despendida para rolar essa dívida é
que reduz sua capacidade de investimento e não o custo da aposentadoria dos
velhinhos. Os juros altos para o pagamento desta dívida faz a alegria do
sistema financeiro.
Em segundo lugar, com 13 milhões de desempregados e
subempregados não há a mínima possibilidade de recuperação da capacidade de
investimentos estatais, via aumento na arrecadação de impostos.
Enquanto procura uma saída para pagar as contas,
fazendo com que pobres e classe média cheguem mais tarde aos benefícios da
Previdência – o que implica em reduzir o mercado de trabalho para segmentos
mais jovens em busca do primeiro emprego – a desigualdade – já identificada por
84% dos brasileiros como a causa de nossos problemas de crescimento, segundo
pesquisa publicada nesse fim de semana pela Oxfam - é ignorada e a economia
permanece patinando.
O lamentável é com uma população de 240 milhões, a quinta
maior do mundo, a classe dominante brasileira não tenha a cultura dos chineses
que, desde o século passado sabem que o crescimento da economia só é possível pela
via de um mercado interno poderoso e que esse mercado só se faz poderoso pelo
aumento da capacidade de compra da população.