O procurador Carlos Fernando Lima, da Lava Jato, que coagiu Lula a depor
sob vara no aeroporto de Congonhas, isto é, usando a condução coercitiva, que
garantiu também que no Brasil ninguém está acima da lei, e que apresentou a
tese da “cadeia de comando” – “Lula tinha que saber” – terá que nos dizer como
ficarão as coisas agora. A delação premiada de Nestor Cerveró revelou um
negócio que, como informou hoje o próprio jornal O Globo,
“rendeu US$ 100 milhões em propina para integrantes do governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Usando o câmbio de sexta-feira passada, mas sem correção monetária, a cifra chega a R$ 354 milhões.”
“rendeu US$ 100 milhões em propina para integrantes do governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Usando o câmbio de sexta-feira passada, mas sem correção monetária, a cifra chega a R$ 354 milhões.”
Qual é a situação então? O que muda quando integrantes do governo FHC são
apontados como beneficiários de uma propina de 100 milhões de dólares? Muda o
seguinte: se ninguém está acima da lei, FHC terá que ser conduzido
coercitivamente para depor. Se a tese da “cadeia de comando”, segundo o qual o
presidente não poderia ignorar, não vale só para Lula, FHC também tinha que
saber da corrupção na Petrobras durante seu governo. Portanto, tem que ser
investigado como possível comandante de todo o esquema. E mais: a tese tão
defendida pelo procurador Carlos Fernando, de que a corrupção da Petrobras é
obra do PT, que começou no governo Lula, pode ser jogada no lixo da
parcialidade judicial.
Vejamos a coisa com calma. O procurador Carlos Fernando mostrou há pouco
tempo ter uma visão muito elevada sobre Michel Temer. Ele afirmou não acreditar
que Temer poderia, de algum modo, influenciar negativamente nos rumos da
operação Lava Jato. Foi o que declarou em entrevista à Globo, nas páginas da
revista Época agora em abril:
ÉPOCA – Há risco para as
investigações em um eventual governo Michel Temer?
Carlos Fernando – Nós não temos
nenhuma opinião formada sobre essa ou aquela posição política. O doutor Temer é
professor de Direito Constitucional e entende os limites republicanos no país.
Cremos que não haverá nenhum perigo ou tentativa de limitar o alcance das
investigações.
Pois é, “não haverá nenhum perigo”. E já estamos já com dois ministros
de Temer que caíram por tramarem contra a Lava Jato. Isso deve ser suficiente
para nos convencer do seguinte: as teses do procurador Carlos Fernando dos Santos
Lima, não são necessariamente compatíveis com a realidade. Mas alguém dirá: ele
falou de Temer não de seus ministros. Sim, é claro, que falou de Temer. Mas não
da pessoa de Temer, e sim de um possível governo Temer, que estava começando a
parecer mais que provável na data da entrevista, 26 de abril.
Se o procurador errou redondamente em sua previsão, se assim deixou
escapar sua parcialidade, com uma simpatia que o cegou para a natureza do
governo Temer, não seria capaz de ter investido contra o ex-presidente Luiz
Inácio Lula da Silva apenas movido por um ódio cego?
Essa pergunta é importante porque esse procurador é um dos construtores
da tese da “cadeia de comando”, isto é, de que Lula tinha que saber. No dia 04
de março, falando à imprensa sobre a condução de Lula, o procurador concordou
que aquele era um dia importante para a República: “É um dia importante porque
ela enfatiza o caráter republicano das investigações. Não há ninguém imune a
investigação. Seja aqui em Curitiba, nos casos sem foro privilegiado, seja
certamente, em Brasília [ou seja, nos casos com foro privilegiado]”
Ninguém estava acima da Lei, nem a ex-primeira dama, nem o filho, nem o
ex-presidente. Dezenas de juristas, ex-ministros de FHC alguns, muitos
professores universitários, se manifestaram contra a condução coercitiva, pelo
seu abuso autoritário, inclusive o ministro do STF, Marco Aurélio de Mello. O
procurador Carlos Fernando, uma espécie de pensador da Lava Jato, justificou
esse ato de duas maneiras: durante o dia 04 de abril, disse que ninguém estava
acima da lei, posteriormente, quando choveram críticas, afirmou que haviam
conduzido 116 pessoas antes, e apenas na vez do ex-presidente Lula aconteceu
aquela discussão.
Portanto, usando a expressão habitual do imparcial Gilmar Mendes,
“normal, absolutamente normal”. A condução se justificaria pelo sítio e pelo
apartamento em Santos. Mas, além disso, e, sobretudo, pela tese da “cadeia de
comando”.
Vejamos:
“Carlos Fernando dos Santos Lima – Temos claro hoje que a pessoa do ex-presidente (Luiz Inácio Lula da
Silva) tem uma responsabilidade muito grande nos fatos. Há uma linha de
investigação que aponta ele na cadeia de comando.
Temos indicativos claros de que havia conhecimento dele a respeito dos
fatos e o governo dele era o principal beneficiado do financiamento da compra
de base de apoio parlamentar.”
Muito bem. Mas estamos presenciando fatos que apontam, com o dedo duro
de Cerveró, para U$ 100 milhões em propina no governo FHC. O que acontecerá? Na
entrevista a Época, o procurador dizia:
“Carlos Fernando – Enchem tanto a gente por conta disso... Para investigar, qualquer
procurador tem de partir de um fato concreto – não posso abrir investigação
para pegar fulano etc. e tal. Temos os limites da lei, não podemos sair e
falar: “Agora quero pegar o governo do FHC”. Se aparecer crime do governo FHC,
vou analisar se está prescrito ou não, daí podemos investigar. Boa parte dos
crimes já está prescrita.”
Pois bem. O fato concreto já está aí. Qual será o procedimento? FHC vai
ser levado para o aeroporto de Congonhas para depor sob escolta da PF? Será
arrastado pelas ruas da cidade de São Paulo sob vara? Essas são questões
intrigantes. É óbvio que o argumento da prescrição não pode nem sequer ser
pronunciado a essa altura. Interessa ao país saber o que aconteceu com os seus
recursos, e quem começou a roubalheira na Petrobras, da mesma maneira que uma
família tem o direito de saber quem assassinou um membro seu, não importa o
quanto este crime esteja prescrito.
PS: Só para não esquecer. Embora nem rumores ocorram na imprensa, outro
grupo do governo FHC (José Serra, Pedro Malan, Pedro Parente, etc.), já está
condenado por improbidade administrativa, pela ‘ajuda’ de quase 3 bilhões dada
pelo Banco Central aos bancos Econômico e Bamerindus, em 1994. Repetindo: não
estão sendo processados, já foram condenados e estão soltos e exercendo funções
de elevada responsabilidade pública graças ao ministro Gilmar Mendes, que não
apenas concedeu liminar para suspender as ações (em 2002), como mandou arquivar
os processos (em 2008). O representando do Brasil no exterior, a autoridade
máxima do Ministério das Relações Exteriores, é alguém condenado por
improbidade administrativa, o que muito, certamente, enaltece a imagem do país
lá fora.
Por Bajonas Teixeira de Brito Junior, colunista do
Cafezinho
Bajonas Teixeira de Brito Júnior – doutor em
filosofia, UFRJ, autor dos livros Lógica do disparate, Método e delírio e
Lógica dos fantasmas, e professor do departamento de comunicação social da
UFES.
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