A sociedade não é ainda, como queria Jesus, a
organização do amor, nem a organização do trabalho, mas a da hipocrisia. Tobias
Barreto
Da Redação, com Garganta Profunda
Documentos oficiais demonstram que o recém-indicado líder do
governo Temer, André Luís Dantas Ferreira, eleito como André Moura, é acusado
de ter exercido o papel de coronel no município de Pirambu, em Sergipe, que
governou em dois mandatos consecutivos (1997-2004).
Apesar de ser ficha suja, André manteve o
mandato e agora ascende à posição de articulador oficial do Planalto na Câmara.
Ele votou pelo impeachment de Dilma Rousseff falando em
reconquistar a liberdade, mas responde na Justiça por ameaçar de
morte um ex-aliado político.
A denúncia contra André Moura foi feita pelo ex-prefeito de Pirambu,
Juarez Batista dos Santos. Ele registrou queixa na polícia e depôs ao
Ministério Público Federal em Sergipe.
Pirambu, de cerca de 9 mil habitantes, fica na costa sergipana.
Juarez sucedeu André Moura na Prefeitura em 2005 e disse que
se viu forçado a ceder o poder informalmente ao antecessor e ao cunhado dele,
Elio Martins, o Elinho.
A descrição é do próprio Supremo Tribunal Federal, onde tramitam ações
contra Moura:
Nessa posição, ele [André Moura] teria indicado a maior parte dos
secretários municipais e mantido carros e celulares da Prefeitura à sua
disposição, além de fazer compras em mercados pagas pelo erário, indicar
vários funcionários fantasmas, entre eles sua esposa (Lara Adriana, também
denunciada) e receber repasses mensais da Prefeitura entre R$ 30 mil e R$
50 mil, conforme a acusação. Nas eleições de 2006, Moura foi candidato a
deputado estadual e, durante a campanha, segundo relato de Juarez dos Santos, as
exigências ilícitas se agravaram, quando Moura teria encomendado repasse
de R$ 1 milhão entre abril e setembro. Sem conseguir atender às demandas, o
prefeito passou a receber ameaças que culminaram com troca de tiros que
feriram o vigilante de sua casa, disparados por quatro homens encapuzados.
O inquérito 3905, que trata da tentativa de homicídio a que André Moura
responde, ainda não resultou em denúncia.
Os inquéritos 3204, 3221 e 3516, originários do Ministério Público de
Sergipe, serão julgados em conjunto.
O 3204 trata de licitações forjadas pelo grupo.
O 3221 é sobre o desvio, por parte do prefeito de Pirambu, de telefones
celulares com as contas pagas pelo município para uso de André Moura, sua mãe e
irmã.
O 3516 é relativo ao desvio de servidores e da frota municipal para uso
pela família de André Moura.
No STF, a defesa alegou que o atual líder do governo Temer na Câmara e o
prefeito Juarez eram aliados e que as denúncias foram resultado
de “vingança política”, depois do rompimento entre eles.
Ao depor ao MPF em Sergipe, Juarez alegou que só denunciou suas próprias
ações criminosas por ter recebido ameaças de morte.
O caso também foi apurado ou acompanhado de perto pelo MPE de Sergipe,
pela Procuradoria Regional Eleitoral, pela Procuradoria Geral de Justiça do
Estado e pela Procuradoria da República em Sergipe.
Fornecedores da Prefeitura de Pirambu depuseram, comprovando as
denúncias. As notas fiscais eram emitidas com informações falsas. José Milton
Nunes, do Supermercado MM Nunes, informou: “Que os refrigerantes, cervejas e
vinhos eram comprados pela Prefeitura ao depoente, e entravam na sua Nota
Fiscal como Cestas Básicas”.
Outro fornecedor, Ricardo Fortes Lemos, afirmou “que vinha uma Ordem da
Prefeitura determinando qual o tipo de Produto que sairia na nota, ainda que
tivesse sido fornecido cerveja, whisky e red bull”.
De acordo com trecho de documento do MP, “importa ressaltar que, segundo
o apurado, as compras irregulares,
custeadas pelo Erário municipal [de Pirambu], abasteciam as residências do
Prefeito Juarez Batista, do ex-gestor André Moura e de sua esposa Lara Moura,
de seu cunhado Elinho e de sua irmã Patrícia Moura, sendo compostas por
produtos que configuravam típicas feiras de mercadinho”.
O valor total desviado foi de cerca de R$ 100 mil, em dinheiro da época.
Pode parecer pouco, mas em 2015 o governo federal transferiu ao município, como
apoio à alimentação escolar na Educação Básica, o valor de R$ 141.664,00.
Por conta do escândalo, o município sofreu intervenção estadual.
OLIGARQUIA LOCAL
André Moura começou sua carreira política aos 18 anos de idade
trabalhando com a então primeira dama de Sergipe, Maria do Carmo Alves, casada
com o governador João Alves Filho.
No mesmo ano o pai de André, Reinaldo, elegeu-se deputado
estadual. André passou a trabalhar como chefe de gabinete. No ano
seguinte, 1993, tornou-se chefe de gabinete da presidência da Assembleia
Legislativa de Sergipe.
A família considerou lançá-lo candidato a vereador em Aracaju, em 1996,
mas decidiu-se pela disputa da prefeitura de Pirambu.
Encerrado o primeiro mandato, segundo observadores locais André
decidiu buscar a reeleição de olho nos royalties pagos ao município relativos
ao petróleo descoberto na costa sergipana.
Não há dados públicos para o período em que ele governou o município,
mas em 2007 a União repassou a Pirambu R$ 4,4 milhões em royalties e R$ 2,9
milhões em Fundo de Participação dos Municípios, que geralmente é a maior fonte
do orçamento das pequenas cidades.
Em vez de André Moura, foi a mãe Lila que se elegeu deputada
estadual.
A família organizou sua sub-oligarquia em torno das prefeituras de
Pirambu e da vizinha Japaratuba, de onde a mulher de André Moura, Lara, já foi
prefeita.
Também tirou proveito do poder derivado de cargos públicos obtidos
através de João Alves Filho.
Reinaldo, o patriarca da família, exerceu seis mandatos de deputado
estadual e foi conselheiro do Tribunal de Contas de Sergipe de 2001 a 2013.
André, por sua vez, logo que deixou a prefeitura de Pirambu foi
secretário de Estado de Serviços Públicos Metropolitano no governo João
Alves.
Foi com este “cacife” — e mais o dinheiro que teria obtido em Pirambu —
que André Moura conquistou o primeiro mandato de deputado estadual, em 2006.
REVERTENDO UMA CONDENAÇÃO
André Moura é ficha suja. Ele foi condenado por improbidade
administrativa e teve os direitos políticos suspensos em novembro de 2013. A
decisão foi do juiz Rinaldo Salvino do Nascimento, da comarca de Japaratuba, em
Sergipe. A condenação também alcançou a mãe, a esposa e a irmã do deputado,
Patrícia, além do cunhado Elio Martins, o Elinho.
As provas demontraram que André gastava por conta da prefeitura de
Pirambu quando já não era prefeito da cidade. Fazia compras no supermercado
Julio Prado Vasconcelos, em Aracaju, nas lojas MM Nunes e Glícia, em Pirambu,
além de bancar refeições, tira-gostos e bebidas alcoólicas nas empresas La
Natita Restaurante Ltda, Restaurante Tubarão da Praia, Churrascaria do Pampa e
Marize dos Santos.
Tudo com dinheiro público.
Apesar de não terem ligação formal com a prefeitura de Pirambu, a mãe e
a irmã de André foram condenadas porque “autorizavam” despesas em nome do
município.
É espantoso que uma família poderosa tenha se valido do dinheiro de uma
prefeitura para bancar a cerveja e o peixe frito no bar da esquina.
O Tribunal de Justiça de Sergipe manteve a decisão de primeira instância
no último dia 2 de maio. Só reduziu a suspensão dos direitos políticos do
ex-prefeito Juarez, o denunciante, de oito para cinco anos.
Segundo nota do tribunal, “foi mantida também aos apelantes, a proibição
de contratar com o Poder Público, incluindo-se na proibição o exercício de
cargo público de natureza comissionada, nas três esferas de governo (Federal,
Estadual e Municipal), bem como nas suas autarquias e empresas públicas,
ficando ainda proibidos de receber da Administração Pública, benefícios ou
incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por
intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, tudo, pelo prazo
de 10 (dez) anos”.
O deputado André Moura respondeu a jornalistas que cabe recurso ao pleno
do TJ e, por isso, ele não está com os direitos políticos formalmente
suspensos.
Com o mesmo argumento, o cunhado Elio Martins, o Elinho, hoje governa
Pirambu, tendo a irmã de André Moura, Patricia, como primeira dama. No ano
passado, o município recebeu R$ 27,5 milhões em verbas federais, sendo quase R$
16 milhões em royalties.
Aposentado do Tribunal de Contas, o patriarca da família recentemente
filiou-se ao PSC.
PADRINHO PODEROSO
Feito Paulo Maluf, André Moura disputou sua reeleição em 2014 sub judice. O TRE, invocando a Lei da Ficha Limpa, barrou o registro da
candidatura. A confirmação dos 70 mil votos do líder do PSC na Câmara só
aconteceu em dezembro, depois que o STJ suspendeu liminarmente a condenação por
improbidade em Sergipe.
O TSE confirmou o mandato de André Moura com base na decisão do STJ.
A essa altura, André Moura já tinha um padrinho poderoso nos bastidores
da política. Só em 2010, segundo documentos da contabilidade paralela da
Odebrecht, o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha foi intermediário de R$ 3
milhões em doações da empreiteira ao diretório nacional do PSC, o partido do
qual André Moura se tornou líder na Câmara.
Nas eleições de 2014, 40% dos cerca de 700 mil reais que André Moura
gastou oficialmente em sua campanha vieram dos diretórios estadual e nacional
do PSC.
O partido tem apenas nove deputados federais, mas um poder
desproporcional dentro da coalizão “organizada” por Eduardo Cunha na Câmara.
Parte disso se deve ao fato de ter como deputados Jair Bolsonaro e o
pastor Marco Feliciano, que independem da legenda.
Bolsonaro elogiou Eduardo Cunha publicamente durante a votação da
abertura de processo de impeachment contra Dilma Rousseff.
Batizado pelo pastor Everaldo, presidente do PSC, no rio Jordão,
Bolsonaro pode vir a ser o “veículo” para reforçar o poder de Cunha nas
barganhas da política nacional durante a campanha de 2018.
André Moura é parte importante deste quebra-cabeças: vai trabalhar por
Temer mas, acima de tudo, deve lealdade a Cunha.
EM NOME DA FAMÍLIA
O deputado que se “libertou” de Dilma Rousseff no dia da votação do
impeachment é fiel à família.
Num inquérito que corre em segredo de Justiça no STF, André Moura é
investigado como um dos nove deputados ou ex-deputados que fazem da tropa de
choque de Eduardo Cunha no Parlamento.
Segundo a PGR, o grupo usou as prerrogativas parlamentares para adiantar
os negócios de Cunha.
Com a apresentação de requerimentos, por exemplo.
Depois, os deputados são acusados de atuar para dificultar as
investigações contra o patrono.
Em 27 de maio de 2015, os empresários Milton, Salim, Rubens, Carlos
Eduardo e Pedro Henrique Schahin foram depor na CPI da Petrobras. São
executivos do Grupo Schahin.
Em retrospectiva, aquela CPI é vista como um “veículo” utilizado por
Eduardo Cunha para obter informações e constranger testemunhas.
A arapongagem foi feita pela empresa Kroll, contratada pela CPI com
dinheiro público.
O constrangimento de testemunhas ficou por conta de deputados como André
Moura, segundo afirma a Procuradoria Geral da República em denúncia.
No dia do depoimento dos Schahin, por exemplo, eles se negaram a falar
protegidos por um habeas corpus.
Mesmo assim, o deputado André Moura decidiu usar o tempo das perguntas
para discursar. Conseguiu autorização do presidente da CPI e passou a fazer
perguntas carregadas de significado:
O senhor sabe que o fato de vir aqui e permanecer
em silêncio, além de um desrespeito a esta CPI, à Câmara Federal e ao povo
brasileiro, é uma prova inconteste de que as digitais de Vossa Senhoria, de sua
família, estão em todo esse esquema de corrupção da Lava-Jato?
O senhor a nada respondeu aqui nesta CPI, um senhor
que tem família. O senhor não acha que isso tudo prejudica a sua família,
podendo a sua família terminar em uma situação extremamente desconfortável, por
conta do que vocês operaram — está claro que vocês operaram, não resta dúvida
de que vocês operaram —, que mais cedo ou mais tarde isso tudo vai ser
descoberto e que V.Sa. e sua família vão pagar por isso?
V.Sa. não tem receio de que o fato de não vir aqui
colaborar, isso tudo piora a sua situação? Na idade que o senhor tem, o
senhor se presta a esse papel ridículo de vir aqui faltar com o respeito a esta
CPI, a este Parlamento? V.Sa. não tem vergonha? Não tem vergonha?
Tantos anos, V.Sa. não teve vergonha, nem V.Sa. nem
a sua família, de participar desse esquema de corrupção, em que suas digitais
estão lá presentes, e V.Sa. não tem vergonha de vir aqui desrespeitar esta Casa
e o povo brasileiro, não?
Lá [na cadeia] o senhor não vai ter com quem conversar. Lá você vai
ficar real e verdadeiramente em silêncio, para aprender a respeitar o povo
brasileiro, para aprender a não participar do esquema da corrupção de que V.Sa.
e sua família participam e, acima de tudo, para aprender a respeitar este
Parlamento. Lá, V.Sa., na cadeia, que é o lugar de V.Sa., realmente vai ficar
em silêncio.
A PGR suspeita que André Moura agiu para intimidar os executivos, já que
o Grupo Schahin se dizia vítima de perseguição de Cunha. Por conta disso, da
Lava Jato e da recessão econômica, o grupo está em recuperação judicial desde o
ano passado.
André Moura fez parte do grupo cujo trabalho na Câmara rendeu a Cunha ao
menos dois automóveis de luxo bancados por Funaro, sustenta a PGR, que vazou
documentos para a revista Época
DEFENDENDO O PATRONO EM DISPUTA COMERCIAL
A origem da disputa foi o rompimento da barragem da Pequena Central
Hidrelétrica de Apertadinho, no Pará.
A Cebel é controlada pelo “empresário dos dólares” Lúcio Bolonha Funaro,
parceiro de Cunha. Ele teria convocado o amigo a infernizar os adversários.
Segundo a PGR, isso se deu através de requerimentos e
convocações: “Os requerimentos se iniciaram em 21 de fevereiro de 2008 –
apenas dois meses após o rompimento – e continuaram até a CPI da Petrobrás de
2015. Sem contar esta última CPI da Petrobrás, foram formuladas 32 proposições
em face do Grupo Schahin. Somados a esses, foram elaborados outros 6 requerimentos
em desfavor do grupo Schahin perante a CPI da Petrobrás instaurada em 2015, por
pessoas também ligadas a Eduardo Cunha”.
As ameaças veladas — do homem que hoje é líder do governo Temer na
Câmara — aos integrantes da família Schahin, acredita a PGR, teriam feito parte
do “pacote achaque/intimidação”.
O pagamento de Funaro a Cunha pelos serviços prestados na Câmara,
segundo a PGR, se deu com a compra e entrega de dois automóveis: um
Hyundai Tucson preto, ano 2009, e um Land Rover Freelander prata, ano 2008,
avaliados em R$ 180 mil.
Funaro usou as empresas Cingular e Roysterum como intermediárias
das compras. Os automóveis de luxo foram colocados em nome da C3 Produções
Artísticas e Jornalísticas, empresa na qual Cunha é sócio de sua esposa,
Cláudia Cruz.
André Moura, que agiu com perícia na aprovação da redução da maioridade
penal na Câmara, recebe agora de Cunha outra tarefa: mobilizar em nome de Temer
a base parlamentar que vai… libertar o Brasil da corrupção?
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