No início de 2012, esta coluna propunha que avaliássemos de dois pontos
de vista as possíveis consequências da Copa de 2014 na eleição presidencial.
Para ficar no jargão futebolístico, o primeiro teria a ver com o que
aconteceria dentro das quatro linhas, se a Seleção Brasileira terminaria campeã
ou não.
O segundo seria extracampo, referindo-se a tudo o que poderia ocorrer
antes e depois que a bola rolasse.
Há quem pense, do alto de pretensa superioridade intelectual, que o
típico eleitor brasileiro vota com o predomínio das partes menos nobres do
organismo.
Que vota com a barriga, o bolso ou o coração, nunca com o cérebro. Que é
levado para cá e para lá por emoções superficiais.
São os que acham, desde 1994, que o desempenho da Seleção nas Copas do
Mundo impacta o resultado das eleições presidenciais coincidentes.
Têm até um teorema: “Se a Seleção ganha a Copa, vence o governo; se
perde, quem lucra é a oposição”. Nada o demonstra, mas os bem-pensantes gostam
de repeti-lo, aproveitando o ensejo para lamentar a incultura e o primitivismo
do eleitor comum.
Já fizemos cinco eleições em ano de Copa do Mundo. O conjunto não é
grande, mas é suficiente para deixar claro que os dois fenômenos não guardam
relação de mútua determinação.
Quem, por exemplo, achar que Fernando Henrique Cardoso venceu a eleição
de 1994 porque o povo estava feliz com o sucesso na Copa nos Estados Unidos
deve morar em Marte. Não percebeu que o Plano Real elegeria qualquer um.
Em 1998, o mesmo FHC voltou a vencer. Só que a Seleção Brasileira havia
recém-tropeçado nos gramados franceses. A decepção no futebol não fez com que o
oposicionismo crescesse.
Em 2002, a equipe nacional venceu a Copa e José Serra, o candidato do
governo, foi derrotado.
Mais uma vez, uma coisa não levou a outra. Como na reeleição de Lula em
2006, quando a fraca performance da Seleção na Alemanha não levou as pessoas a
desistir de votar no governo.
Como em 2010, em que um cenário parecido se repetiu: a Seleção foi mal,
mas a candidatura que representava a continuidade foi bem. Dilma Rousseff
ganhou, apesar do fracasso no futebol nas canchas sul-africanas.
Trocando em miúdos: em nenhuma dessas cinco eleições o tal teorema se
sustenta. Em matéria de bobagens a respeito da política brasileira, a
hipotética relação entre Copa e eleição é das maiores.
Mas não é apenas nos gramados que esta Copa acontece. Existe outra, esta
sim, significativa e que poderia ter sérias repercussões na eleição. Ela ocorre
fora dos gramados e é a Copa que o Brasil já ganhou.
Nos últimos anos, as pesquisas, especialmente qualitativas, mostraram o
temor das pessoas de que a Copa no Brasil viesse a ser um vexame aos olhos do
mundo.
A desconfiança de que a infraestrutura do torneio funcionasse, a
incerteza de que tudo ficasse pronto à hora, o medo de que houvesse uma
falência múltipla de aeroportos, comunicações e transportes urbanos se somaram
ao receio do aumento da violência e, quem sabe, de epidemias.
A isso agregava-se a convicção de que as famosas “manifestações”
voltariam, com seu séquito de quebra-quebras, sangue e brigas com a polícia.
A Copa tinha tudo para ser péssima. Mesmo se, no campo, o futebol
brasileiro até fosse bem.
De onde teria saído uma expectativa tão negativa? Por que era tão
generalizado o sentimento de que a Copa talvez viesse a ser motivo de vergonha
para o País?
Com o mesmo afã com que pinta a economia como à beira do precipício, a
política como um covil de ladrões e a administração pública como falida, nossa
imprensa conservadora esmerou-se na caracterização desta Copa como exemplo
máximo de incompetência, descalabro e falsas promessas.
Levou o pessimismo da população às alturas e alimentou a imprensa
internacional com seu negativismo.
Só que nada do que previa (ou desejava que ocorresse) se confirmou.
A vasta maioria do povo chega à reta final do torneio orgulhosa e
convencida de que, independentemente do campeão, a Copa foi um sucesso.
Honra a quem merece. Se Lula e Dilma seriam impiedosamente crucificados
como os responsáveis pelo fracasso, devem ser homenageados como os grandes
artífices do êxito.
Ele, que “inventou” a Copa no Brasil, e ela, que tomou as providências
para que acontecesse, merecem o reconhecimento dos que estão hoje satisfeitos.
Incluindo os turistas estrangeiros, que se revelam encantados com a
experiência de visitar o Brasil.
Isso não significa que, quando terminar a Copa no gramado, Dilma poderá
ser considerada a vencedora da eleição de outubro.
Mas que o resultado da Copa extracampo foi uma vitória para ela, disso
não há dúvidas. Nem que seja apenas por ter ultrapassado com garbo algo que
poderia ter se tornado um grave problema.
Com esse saldo positivo para Dilma das primeiras semanas do torneio,
encerra-se a fase do calendário eleitoral que a legislação chama de
pré-campanha.
Seus adversários têm pouquíssimo o que festejar. Aécio Neves e Eduardo
Campos não estavam bem quando o ano começou e assim permanecem.
Vai depender do desempenho da Seleção se a campanha propriamente dita
começará logo ou apenas depois do dia 13 de julho.
Não que isso mude muito o quadro, pois o eleitor é perfeitamente capaz
de fazer duas coisas ao mesmo tempo, festejar (ou lamentar) o resultado do
futebol e resolver como votar na eleição.
E a propaganda eleitoral na televisão só se iniciará em 15 de agosto.
Quando lá chegarmos, a Copa do Mundo já será uma lembrança.
Tomara que boa.
Marcos Coimbra — publicado em
06/07/2014 09:29 no site da revista Carta Capital
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