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sábado, 2 de dezembro de 2023

As estranhas mortes na ponte

Quando se passa pela editoria de Polícia de um grande jornal, que precisa cobrir a maior parte dos fatos relacionados a homicídios, desastres, prisões, depois de um tempo a gente acha que já viu tudo. De crianças maltratadas até a morte, gente pedindo um socorro que nem os bombeiros conseguem dar, até a maneira como operam quadrilhas internacionais de estelionatários e traficantes, passando por assassinatos que não entram nos noticiários policiais, por que cometidos nas subidas e vielas dos morros que se espalham pelo Rio de Janeiro.

Você aprende também que o jornal não dá suicídio; único fato policial que iguala ricaços a favelados. Suicídio não sai na mídia.  Quando muito a matéria deixa dúvidas.

Aprendi que não tinha visto tudo quando do início da construção da ponte Rio-Niteroi e já havia deixado a Repol e o Globo.

A ponte Rio-Niterói foi construída entre os anos entre 1968 e 1974, em plena ditadura militar, portanto. E para surpresa de quem acompanhava pelos jornais, o consórcio vencedor não incluía nenhuma das grandes empreiteiras tipo Odebrech, Carioca, Mendes Júnior.

As empresas vencedoras eram de menor porte e segundo especialistas no assunto não tinham a menor condição de concluir a obra dentro do orçamento apresentado.

Só que esse era um assunto restrito à ditadura; mídia e sociedade civil não participavam. Opiniões contrárias não apareciam nos jornais nem na TV ou no rádio. Ficavam nos murmúrios do boca-a-boca, porque prisões, torturas e mortes eram comuns a quem se opusesse aos militares no poder.

O recurso do consórcio vencedor, para cumprir com o previsto no orçamento apresentado, era entrar com pedidos de aditamentos. E para que isso fosse possível começaram a aparecer problemas na obra, com seguidas explosões que provocavam a morte de operários e engenheiros.

Conversando com um engenheiro, veterano de obras públicas do qual felizmente esqueci o nome, estranhei a morte de engenheiros, já que grandes empreiteiras em geral não estão nem aí para acidentes com operários em seus canteiros de obras. Mas no caso de funcionários mais graduados, gente oriunda das classes médias, eu particularmente esperava alguma repercussão.

Não houve, os jornais TVs e rádios tiveram que se contentar com o registro das mortes.

O engenheiro, do qual eu não gostava por motivos que algum dia vou colocar em pauta, talvez surpreso com a minha inocência, lembrou, tranquilo, que o custo da obra e o que as empresas vencedoras iriam faturar, se tudo desse certo e o governo concordasse com os aditamentos, estava muito acima da morte de um ou dois engenheiros. Se me lembro foram dois os mortos.

Mortos por nada, porque o governo da ditadura não aceitou os argumentos do consórcio, não fez mais nenhum aditamento e diante do impasse, as obras da ponte passaram a ser feitas pelas grandes empreiteiras inicialmente derrotadas quando foi aberta a concorrência para a construção da Rio-Niteroi. 

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