Quando a gente envelhece lúcido, quando ainda não foi detonada a vontade de continuar aprendendo, é sempre possível lembrar momentos em que “estivemos” na História. Não exatamente no local onde os fatos estavam acontecendo, ou participando diretamente deles, mas vivendo no mesmo momento em que aconteciam. E sabendo que aconteciam.
Minha
lembrança do dia 24 de agosto de 1954 é, ainda, clara como se eu estivesse
vendo imagens no jornal da noite na TV: meu pai, na varanda da casa em São
Cristóvão, terno e gravata, pronto para pegar o ônibus em direção ao Centro da
cidade. Rotina normal de um dia de trabalho no IAPC, Instituto de Aposentadoria
e Pensão dos Comerciários.
Mas seu
rosto branco, talvez a palavra “lívido” seja mais adequada, deixava clara sua
perplexidade naquela manhã. Minutos antes, talvez pelo rádio, ou um telefonema
de alguém, não sei, recebera a notícia do suicídio do Presidente Getúlio
Vargas.
Antigetulista
convicto, tinha feito um enorme balão com o rosto do brigadeiro Eduardo Gomes,
candidato da União Democrática Nacional. Ele mesmo soltou o balão no final de
último comício da campanha presidencial de 1950.
(Suponho que
com ajuda de outros militantes porque segundo pessoas da minha família “de tão
grande o balão chegou a ser visto em Niterói”, do outro lado da baia da
Guanabara).
Naquele ano,
1950, Getúlio voltou a Palácio do Catete, desta vez pelo voto.
Quatro anos
depois, eu tinha 11 anos e estava assustado, mais pelo rosto lívido do que pela
dimensão da notícia, pensei em pedir a meu pai que não fosse trabalhar, com
medo do que podia acontecer. Claro que não adiantava, nem tentei.
Acuado por
uma Oposição raivosa, Getúlio tinha sua popularidade muito abalada. O atentado
contra um dos membros da guarda pessoal do jornalista Carlos Lacerda, principal
líder da Oposição - um oficial da aeronáutica foi morto a tiros - disparou a campanha
pela derrubada do presidente.
Meu pai
tinha trabalhado com Lacerda no Correio da Manhã, admirava seus discursos
emotivos e era por formação fechado com a Direita.
O suicídio
de Vargas mudou radicalmente o quadro. O presidente, vaiado dias antes no
Maracanã lotado, quando sua presença foi anunciada antes de um jogo, teve seu
caixão seguido pela maior multidão já vista nas ruas do Rio.
Lacerda e
outros proeminentes membros da Oposição, segundo murmúrios da época, embarcaram
num navio da Marinha que ficou alguns dias fundeado ao longo da costa do Rio da
Janeiro.
Ao longo de 55
anos de convivência não me lembro de ter visto de novo tanta perplexidade no
rosto do meu pai como naquele 24 de agosto de 1954.
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