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terça-feira, 21 de novembro de 2023

O dia em que Getúlio morreu

Quando a gente envelhece lúcido, quando ainda não foi detonada a vontade de continuar aprendendo, é sempre possível lembrar momentos em que “estivemos” na História. Não exatamente no local onde os fatos estavam acontecendo, ou participando diretamente deles, mas vivendo no mesmo momento em que aconteciam. E sabendo que aconteciam.

Minha lembrança do dia 24 de agosto de 1954 é, ainda, clara como se eu estivesse vendo imagens no jornal da noite na TV: meu pai, na varanda da casa em São Cristóvão, terno e gravata, pronto para pegar o ônibus em direção ao Centro da cidade. Rotina normal de um dia de trabalho no IAPC, Instituto de Aposentadoria e Pensão dos Comerciários.

Mas seu rosto branco, talvez a palavra “lívido” seja mais adequada, deixava clara sua perplexidade naquela manhã. Minutos antes, talvez pelo rádio, ou um telefonema de alguém, não sei, recebera a notícia do suicídio do Presidente Getúlio Vargas.

Antigetulista convicto, tinha feito um enorme balão com o rosto do brigadeiro Eduardo Gomes, candidato da União Democrática Nacional. Ele mesmo soltou o balão no final de último comício da campanha presidencial de 1950.

(Suponho que com ajuda de outros militantes porque segundo pessoas da minha família “de tão grande o balão chegou a ser visto em Niterói”, do outro lado da baia da Guanabara).

Naquele ano, 1950, Getúlio voltou a Palácio do Catete, desta vez pelo voto.

Quatro anos depois, eu tinha 11 anos e estava assustado, mais pelo rosto lívido do que pela dimensão da notícia, pensei em pedir a meu pai que não fosse trabalhar, com medo do que podia acontecer. Claro que não adiantava, nem tentei.

Acuado por uma Oposição raivosa, Getúlio tinha sua popularidade muito abalada. O atentado contra um dos membros da guarda pessoal do jornalista Carlos Lacerda, principal líder da Oposição - um oficial da aeronáutica foi morto a tiros - disparou a campanha pela derrubada do presidente.

Meu pai tinha trabalhado com Lacerda no Correio da Manhã, admirava seus discursos emotivos e era por formação fechado com a Direita.

O suicídio de Vargas mudou radicalmente o quadro. O presidente, vaiado dias antes no Maracanã lotado, quando sua presença foi anunciada antes de um jogo, teve seu caixão seguido pela maior multidão já vista nas ruas do Rio.

Lacerda e outros proeminentes membros da Oposição, segundo murmúrios da época, embarcaram num navio da Marinha que ficou alguns dias fundeado ao longo da costa do Rio da Janeiro.

Ao longo de 55 anos de convivência não me lembro de ter visto de novo tanta perplexidade no rosto do meu pai como naquele 24 de agosto de 1954.

 

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