Os jornais foram para as ruas, na
última semana, dando como favas contadas um prejuízo de 6 bilhões de reais na
Petrobras, devido a casos de corrupção em investigação na Operação Lava Jato.
Seis bilhões de reais que não existem. E que foram colocados no “balanço”, como
os bancos recorrem, nos seus, a provisões, por exemplo, para perdas com
inadimplência, que, quando não se confirmam, são incorporadas a seus ativos
mais tarde.
Não há - como seria normal, aliás,
antes de divulgar esse valor - por trás destes 6 bilhões de reais, uma lista de
contratos superfaturados, dos funcionários que participaram das licitações
envolvidas, permitindo que se produzissem as condições necessárias a tais
desvios, dos aditivos irregularmente aprovados, das contas para as quais esse
montante foi desviado, dos corruptos que supostamente receberam essa fortuna.
O balanço da Petrobras, ao menos
quanto à corrupção, foi um factoide. Um factoide de 2 bilhões de dólares que
representa o ponto culminante de uma série de factoides produzidos por um jogo
de pressões voltado para encontrar, doa a quem doer, chifre em cabeça de
cavalo.
Houve corrupção na Petrobras? Com
certeza, houve.
Houve necessariamente
superfaturamento e prejuízo com a corrupção na Petrobras?
Isso seria preciso provar, onde,
quando e como.
E o pior de tudo, é que a maior
empresa brasileira apresentou esses resultados baseada, e pressionada, por uma
questionável “auditoria”, realizada por uma, também, discutível, companhia
estrangeira.
Segundo divulgado em alguns jornais,
a empresa de auditoria norte-americana PricewaterhouseCoopers teria
feito uma série de exigências para assinar, sem ressalvas, o balanço da
Petrobras, estabelecendo um patamar para a perda com “impairment” e corrupção
muito maior que a real, baseada, nesse último aspecto, não em dados e
informações, mas em números apresentados inicialmente por delatores, tomados
como verdade indiscutível, quando vários destes mesmos delatores “premiados”
negaram, depois, em diversas ocasiões, peremptoriamente, a existência de
superfaturamento.
Essa é uma situação que, se fosse
reconhecida no balanço, lançaria por terra a suposta existência de prejuízos de
bilhões de dólares para a Petrobras com os casos investigados na Operação
Lava-Jato, e ainda mais na escala astronômica em que esses números foram
apresentados.
Que autoridade e credibilidade moral
e profissional tem a PricewaterhouseCoopers para
fazer isso?
Se a Petrobras, não tivesse, premida
pela necessidade de responder de qualquer maneira à situação criada com as
acusações de corrupção na empresa, sido obrigada a contratar empresas
estrangeiras, devido à absurda internacionalização da companhia, iniciada no
governo FHC, nos anos 90, e tivesse investigado a história da PwC, que
contratou por milhões de dólares para realizar essa auditoria pífia - que não
conseguiria provar as conclusões que apresenta - teria percebido que a PwC é
uma das principais empresas responsáveis pelo escândalo dos Luxemburgo Leaks,
um esquema bilionário de evasão de impostos por multinacionais norte-americanas,
que causou, durante anos, um rombo de centenas de bilhões de dólares para o
fisco dos EUA, que está sendo investigado desde o ano passado; que ela é a
companhia que está por trás do escândalo envolvendo a Seguradora AIGem
2005; que está relacionada com o escândalo de fraude contábil do grupo japonêsKanebo,
ligado à área de cosméticos, que levou funcionários da então ChuoAoyama,
parceira da PwC no Japão, à prisão; com o escândalo da liquidação da TycoInternational, Ltd, no qual a PricewaterhouseCoopers teve
de pagar mais de 200 milhões de dólares de indenização por ter facilitado ou
permitido o desvio de 600 milhões de dólares pelo Presidente Executivo e o
Diretor Financeiro da empresa; com o escândalo da fraude de 1.5 bilhão de
dólares daSatyam, uma empresa indiana de Tecnologia da Informação,
listada na NASDAQ; que ela foi também acionada por negligência profissional no
caso dos também indianos Global Trust Bank Ltd e DSK Software;
e também no caso envolvendo acusações de evasão fiscal do grupo petrolífero
russo Yukos;
por ter, em trabalho de auditoria, feito exatamente o contrário do que está
fazendo no caso da Petrobras, tendo ficado também sob suspeita, na Rússia, de
ter acobertado um desvio de 4 bilhões de dólares na construção de um oleoduto
da Transneft;
que foi acusada por não alertar para o risco de quebra de empresas que auditava
e assessorava, como a inglesa Northern Rock,
que teve depois de ser resgatada pelo governo inglês na crise financeira de
2008; e no caso da JP Morgan Securities, em que foi multada pelo governo britânico; que
está ligada ao escândalo da tentativa de privatização do sistema de águas de
Nova Délhi, que levou à retirada de financiamento da operação pelo Banco
Mundial; e também criticada por negligência em trabalhos de auditoria na
Irlanda, país em que está sendo processada em um bilhão de dólares.
Enfim, a PricewaterhouseCoopers
é tão séria - o que com certeza coloca em dúvida a qualidade de certos aspectos
do balanço da Petrobras - que, para se ter ideia de sua competência, o PublicCompanyAccountingOversightBoard dos
Estados Unidos encontrou, em pesquisa realizada em 2012, deficiências e
problemas significativos em 21 de 52 trabalhos de auditoria realizados pela PwC
para companhias norte-americanas naquele ano.
É este verdadeiro primor de ética,
imparcialidade e preparo profissional, que quer nos fazer crer - sem apresentar
um documento - que de cada 100,00 reais gastos com contratações de 27 empresas
de engenharia e infraestrutura pela Petrobras, 3,00 tenham sido automaticamente
desviados, durante vários anos, como se uma empresa com aproximadamente 90.000
funcionários funcionasse como uma espécie de linha de montagem, para o
carimbagem automática, com uma comissão de 3%, de milhares de notas a pagar,
relativas a quase 200 bilhões de reais em compras de produtos e serviços.
Desenvolveu-se, no Brasil, a tese, de
que, para que haja corrupção, é preciso que tenha havido sempre,
necessariamente, desvio e superfaturamento.
Há empresas que fornecem produtos e
serviços a condições e preço de mercado, quem nem por isso deixam de agradar e
presentear com benesses que vão de cestas de natal a computadores o pessoal dos
departamentos de compra e outros funcionários de seus clientes.
Há outras que convidam para encontros
e viagens no exterior os médicos que receitam para seus pacientes medicamentos
por elas fabricados. E outras, ainda, que promovem - ou já promoveram no
passado - em outros países, congressos para funcionários públicos, como
prefeitos, deputados e membros do Judiciário.
O montante ou o dinheiro reservado
para esse tipo de “agrado” - que moralmente, para alguns, não deixa de ser uma
espécie de corrupção - depende, naturalmente, do lucro que vai ser aferido pela
empresa em cada negócio, e do tamanho e potencial de investimento e gasto do
cliente que está sendo atendido.
Em depoimento na CPI da Petrobras
esta semana, o ex-dirigente da empresa ToyoSetal, Augusto Mendonça Neto,
afirmou que pagamentos foram feitos a Paulo Roberto Costa e a Renato Duque,
responsáveis pelas diretorias de Refino e Abastecimento e de Serviços, não para
que eles alcançassem um determinado objetivo - manipulando contratos e
licitações, por exemplo - mas para que não prejudicassem as empresas, já que,
em suas palavras: “o poder que um diretor da Petrobras tem de atrapalhar era
enorme. De ajudar, é pequeno. Na minha opinião, eles vendiam muito mais
dificuldade do que facilidade. Na minha opinião, as empresas participavam muito
mais por medo do que por facilidades. ”
Outro delator - devido, talvez, à
impossibilidade de provar, inequivocamente, contabilmente, juridicamente, o
contrário - o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa, já havia voltado
atrás, em petição apresentada no dia 9 de abril à Justiça - corroborando
afirmações das próprias empreiteiras envolvidas - afirmando que as obras
investigadas na Operação Lava-Jato não eram superfaturadas, e que as comissões
de 3% eventualmente recebidas eram retiradas do lucro normal das empresas e não
de sobre preço, negando que ele e Alberto Youssef tenham recebido listas com as
obras e empresas que seriam vencedoras em cada licitação. “Isso nunca
aconteceu”, disse o seu advogado, João Mestieri, à Folha de São Paulo.
A mesma coisa já tinha sido
explicada, didaticamente, em depoimento à CPI da Petrobras, pelo
ex-gerente de implementação da Refinaria Abreu e Lima, Glauco
ColepicoloLegatti, no dia 31 de março, ocasião em que negou que tivesse
recebido propina, que tivesse qualquer conta no exterior, que tivesse feito
transferência recente de qualquer bem para parentes, dando a atender também que
poderia colocar seu sigilo bancário à disposição se fosse necessário.
Legatti negou peremptoriamente que
tenha havido sobre preço nas obras da refinaria, explicou o aumento dos custos
da obra devido a adequações de projeto e a características como ser a mais
avançada e moderna refinaria em construção no mundo, com uma concepção
tecnológica especialmente desenvolvida que permite a inédita transformação de
70% de cada barril de petróleo bruto em óleo diesel, e que ela produzirá,
quando terminada, 20% desse tipo de combustível consumido no Brasil - “não tem
superfaturamento na obra. Superfaturamento é quando digo que algo custa 10 e
vendo por 15. Aqui são custos reais incorridos na obra. Não tem um centavo pago
que não tenha um serviço em contrapartida. Não existe na refinaria nenhum
serviço pago sem contrapartida ”, afirmou.
Compreende-se a necessidade que a
Petrobras tinha de “precificar” o mais depressa possível a questão da
corrupção, admitindo que, se tivesse havido desvios em grande escala, estes não
teriam passado, no máximo, como disseram dois delatores premiados inicialmente,
de 3% do valor dos contratos relacionados ao “cartel” de empresas fornecedoras
investigadas.
Mas com a aceitação da tese de que
houve desvio automático desse mesmo e único percentual em milhares de
diferentes contratos sem comprovar, de fato, absolutamente nada, sem determinar
quem roubou, em qual negócio, em que comissão, em que contrato, em qual
montante, a Petrobras e a PricewaterhouseCoopers levaram
os jornais, a publicar, e a opinião pública a acreditar, que realmente houve um
roubo de 6 bilhões de reais na Petrobras, que gerou um prejuízo desse montante
para a empresa e para o país.
Isso é particularmente grave, porque,
para as empresas, a diferença entre a existência ou não de sobre preço,
significa ter ou não que pagar bilhões de reais em ressarcimento, no momento em
que muitas estão praticamente quebrando e tiveram seus negócios interrompidos,
devido às consequências institucionais da operação que está em andamento.
Para se dizer que houve um crime, é
preciso provar que tipo de crime se cometeu, a ação que foi desenvolvida, quem
estava envolvido e as exatas consequências (prejuízo) que ele acarretou.
Até agora, no Caso Lava-Jato - que
inicialmente era cantado e decantado como envolvendo quase 90 bilhões de reais
- não se chegou a mais do que algumas centenas de milhões de dólares de
dinheiro efetivamente localizado.
O que não quer dizer que tudo não
tenha de ser apurado e punido, até o último centavo.
Essa determinação, que é de toda a
sociedade brasileira, não consegue, no entanto, esconder o fato de que, ao
inventar, sob pressão de alguns setores da mídia, da opinião pública e da
justiça, o instituto da corrupção plural e obrigatória, com percentual
tabelado, prazo determinado em número redondo de anos e meses, para início e
fim das atividades, em operações que envolvem milhares de contratos de 27
diferentes empresas, a Petrobras e a Price criaram uma pantomímica, patética e
gigantesca fantasia.
Pode-se colocar toda a polícia,
promotores e juízes que existem, dentro e fora do Brasil, para provar, efetivamente,
esse fantástico roubo de 6 bilhões de reais, investigando contrato por
contrato, comissão de licitação por comissão de licitação, entrevistando cada
um de seus membros, procurando apenas provas lícitas, cabais e concretas, como
transferências reais de dinheiro, contas no exterior em bancos suíços e
paraísos fiscais, quebra de sigilo telefônico, imagens de câmeras de hotéis e
restaurantes, indícios de enriquecimento ilícito, interrogatórios e acareações,
ressuscitando e dando vida aos melhores detetives de todos os tempos, de
Sherlock Holmes a Hercule Poirot, passando pelo Inspetor Maigret, Nero Wolfe,
Sam Spade, Phillip Marlowe, a Miss Marple de Agatha Cristie e o frade William
de Baskerville de O Nome da Rosa, que não se conseguiria provar - a não ser que
surjam novos fatos - que houve esse tipo de desvio na forma, escala, dimensão e
montante apresentados no balanço da Petrobras há poucos dias.
Delações premiadas - nesse aspecto,
já desmentidas - podem ser feitas no atacado, afinal, bandido, principalmente
quando antigo e contumaz, fala e inventa o quer e até o que não quer.
Mas até que se mude de planeta, ou se
destruam todos os pergaminhos, alfarrábios e referências e tratados de Direito,
sepultando a presunção de inocência e o império da prova e da Lei no mesmo
caixão desta República, toda investigação tem de ser feita, e os crimes
provados, individualmente.
Com acuidade, esforço e compenetração
e sem deixar margem de dúvida.
Todos os crimes, e não apenas alguns.
À base de um por um, preferencialmente.
Com o caso do “mensalão” do PT - o
único dos “mensalões” julgado até agora - inaugurou-se, no Brasil, a utilização
da teoria do Domínio do Fato, de forma, aliás, absolutamente distorcida, como
declarou, a propósito desse processo, o seu próprio criador, o jurista alemão
ClausRoxin.
Ele afirmou, em visita ao país, na
época do julgamento da Ação penal 470, que “ não é possível usar a teoria do
Domínio do Fato para fundamentar a condenação de um acusado supondo sua
participação apenas pelo fato de sua posição hierárquica. “A pessoa que ocupa a
posição no topo de uma organização tem também que ter comandado esse fato,
emitido uma ordem inequívoca” - afirmando que o dever de conhecer os atos de um
subordinado não implica em corresponsabilidade.
“A posição hierárquica não
fundamenta, sob nenhuma circunstância, o domínio do fato”, comentando que “na
Alemanha temos o mesmo problema. É interessante saber que aqui também há o
clamor por condenações severas, mesmo sem provas suficientes. O problema é que
isso não corresponde ao Direito. O juiz não tem que ficar ao lado da opinião
pública”. “Quem ocupa posição de comando tem que ter, de fato, emitido a ordem.
E isso deve ser provado”.
O que quis dizer Claus
Roxin com isso? Que, para que haja “domínio do fato’, é preciso comprovar, de
fato, que esse fato houve.
Com a saída meramente aritmética
usada no balanço da Petrobras, baseada em uma auditoria de uma empresa
estrangeira que, na realidade, pelos seus resultados, parece não ter
tecnicamente ocorrido, inaugura-se, no Brasil, para efeito do cálculo de
prejuízos, uma outra anomalia, a da “teoria do domínio do boato”.
Mauro Santayanna no JB
Nenhum comentário:
Postar um comentário