É impressionante o cerco da mídia, e especialmente
do Globo, a qualquer tentativa do governo de promover algum tipo de avanço
democrático.
E ela joga sujo. Criminaliza o governo, criminaliza
a política e criminaliza os movimentos sociais.
O ministro Gilberto Carvalho, da secretaria geral da Presidência da
República, organizou ontem mais uma rodada de conversas com ativistas sociais,
jornalistas (que por acaso são blogueiros) e representantes da sociedade civil.
Eu participei da primeira, há algumas semanas, quando o decreto da
presidência da república ainda não tinha virado polêmica. Eu mesmo nem sabia
direito o que era. Hoje entendo melhor.
Eu queria comentar a forma como o Globo se referiu hoje aos
participantes do encontro com o ministro.
Para mim, blogueiro full time, é até positivo que o Globo alimente essa
obsessão em chamar qualquer interlocutor do governo, que não pertença a grande
mídia, de “blogueiro”.
Quer dizer, seria positiva, não se tratasse de uma estratégia espúria de
desqualificação, de mais uma tentativa de criminalizar a política.
Para a mídia, um blogueiro politico de esquerda é uma espécie de
bandido. Para a mídia, é um pesadelo que seu mundinho encantando, cartelizado,
com jornalistas subservientes à orientação ideológica de seus patrões, esteja
sendo ameaçado por esses subversivos, os blogueiros.
A ordem da mídia hoje é “delenda blogueiros”. A referência a eles é
sempre negativa, sempre no sentido de desqualificar sua independência, seu
profissionalismo, sua integridade, sua importância crescente no debate público.
Os barões não admitem que possam existir indivíduos com independência
política. É uma maneira inclusive de justificarem a escravidão ideológica
imposta a seus jornalistas: olha, vocês são escravos nossos; mas ao menos não
são blogueiros sujos, bandidos, e, supra-sumo da infâmia, governistas!
Confira a lista de participantes:
Henrique Carlos Parra Filho, do Instituto SEVA;
Pablo Capilé, do Fora do Eixo;
Marcelo Branco, ativista do Software Livre;
Beatriz Tibiriça, do Coletivo Digital (participação remota);
Fred Vazquez, do Blogoosfero;
Bia Barbosa, do Intervozes;
Pedro Abramovay, do Open Society (participação remota);
Haydee Svab, do Transparência Hacker;
Jader Gama, do Puraque;
Daniel Marostegan, do Nós Digitais;
Sady Jacques, da Associação Software Livre;
Ivana Bentes, da UFRJ;
Adriano de Angelis, da RiAV (Rede de Inovação Audiovisual);
Renato Rovai, Revista Fórum (participação remota);
Dalton Martins, da Universidade Federal de Goiás (participação remota);
Vera Masagao, ABONG.
Pablo Capilé, do Fora do Eixo;
Marcelo Branco, ativista do Software Livre;
Beatriz Tibiriça, do Coletivo Digital (participação remota);
Fred Vazquez, do Blogoosfero;
Bia Barbosa, do Intervozes;
Pedro Abramovay, do Open Society (participação remota);
Haydee Svab, do Transparência Hacker;
Jader Gama, do Puraque;
Daniel Marostegan, do Nós Digitais;
Sady Jacques, da Associação Software Livre;
Ivana Bentes, da UFRJ;
Adriano de Angelis, da RiAV (Rede de Inovação Audiovisual);
Renato Rovai, Revista Fórum (participação remota);
Dalton Martins, da Universidade Federal de Goiás (participação remota);
Vera Masagao, ABONG.
A Ivana Bentes é uma professora, uma intelectual. Não é “blogueira”.
O epíteto de “pró-governo” é uma tentativa vil de desqualificar as
pessoas. É uma linguagem agressiva, militante, uma linguagem de… blogueiro. O
Globo virou um grande blog de direita.
Por aí se vê o preço alto pago por qualquer agente político (que não
tenha a simpatia da mídia, claro) disposto a dialogar com o governo.
A mídia, porta-voz da direita, não admite que nenhum ativista ou
blogueiro ganhe espaço de interlocução em Brasília.
É impressionante o nível de agressividade com que temos sido atacados
pelos grandes jornais. É tanto que até já achamos normal.
Só que não é. O Globo chega ao cúmulo de telefonar para os
patrocinadores dos blogs, num esforço espúrio de chantagem e asfixia econômica.
A matéria do Globo foi ilustrativa, porque na conversa os ativistas e
blogueiros disseram exatamente isso ao ministro.
Eles são agredidos apenas por conversar com o governo, e aí o governo
vai e joga toda a sua verba de publicidade na mesma grande mídia que faz
política descaradamente partidária contra o governo, e agride covardemente os
ativistas políticos e os blogueiros.
Para o Globo, e para a mídia em geral, os únicos ativistas que prestam
são os que apenas dialogam com ela, com a mídia.
A mídia, astuta, trabalha 24 horas por dia para derrubar o governo.
A prova disso está no viés absolutamente igual dos jornalões em relação
às frases de Gilberto Carvalho, sobre os xingamentos à Dilma.
Elas foram rapidamente manipuladas para tentar neutralizar a forte
reação nas redes sociais contra o que se entendeu como um grande desrespeito
não apenas à presidenta da república, mas ao Brasil, visto que se tratava da
abertura da Copa do Mundo.
Eu separei o trecho do vídeo em que o ministro faz a afirmação. São
apenas 4 minutos. Assista para entender o contexto.
Carvalho falou a verdade, mas cometeu um erro político crasso, derivado
de uma leitura pobre de um episódio que produziu um marco simbólico fundamental
no processo eleitoral deste ano.
Quando se fala que a “elite branca” (no meu caso, troquei a expressão
para “endinheirados truculentos”) xingou Dilma, não quer dizer que a classe
média, ou mesmo os pobres, estejam integralmente satisfeitos com as coisas no
Brasil.
A expressão significa que o núcleo duro da oposição ao que ainda existe
de qualidade popular no governo vem das camadas ricas da sociedade. É lá que
nasce o ódio, a intolerância, o terrorismo ideológico. É de lá que vem os
ataques mais perigosos.
As estatísticas são claras. O próprio Gilberto Carvalho deixa bem claro
em sua fala: o ódio à Dilma é um sentimento que nasce nas elites, toma as
classes médias e está “gotejando” para as classes populares.
Carvalho tropeçou porque não entendeu que a reação aos xingamentos à
Dilma foi mais importante que os xingamentos em si, pois ajudaram a criar uma
polarização política que, embora expressa nas pesquisas, ainda não tinha vindo
à tôna nas redes sociais.
O ódio vem de cima, vem dos ricos. Não de todos os ricos. Mas daqueles
que se deixaram dominar pelo egoísmo social, pelo patrimonialismo, pelo
preconceito.
É um ódio não apenas ao PT, mas à própria política, e à própria
democracia. Um ódio que esteve sempre presente, tristemente presente, em nossa
epopéia republicana.
À mídia não interessa uma polarização social neste sentido, porque ela
sabe que eleições são ganhas com o voto do pobre.
Carvalho, de qualquer forma, fez uma autocrítica dura: ele diz que o
governo não enfrentou o debate na mídia.
Ele lembrou uma das crises do início do governo Dilma, gerada por
escândalos midiáticos relacionados a contratos de ministérios com ongs.
A presidenta, ao invés de enfrentar o debate, preferiu, como fez sempre
(Pasadena é o exemplo mais recente), reagir açodadamente, com medo de ficar mal
nos jornais, e baixou um decreto que enrijeceu e dificultou a relação do
governo com entidades sociais.
Carvalho lembra de uma entidade que ficou um ano sem poder construir
cisternas de água por causa desse decreto. Esta foi a principal razão, também
admitiu Carvalho, para as dificuldades vividas pelos pontos de cultura.
A falta de experiência política da presidenta foi explorada facilmente
pela mídia, que manipulava escândalos e elogiava a postura submissa de Dilma,
como uma grande virtude republicana.
Foi o momento em que Dilma viveu seus píncaros de popularidade, mas
frágil porque embasada apenas numa imagem construída na grande mídia.
Dilma parece ter acreditado nesses elogios, que na verdade apenas se
inscreviam numa estratégia política para debilitar seu governo e afastá-lo da
sociedade.
O governo foi se afastando, até que parou definitivamente de dialogar
com os movimentos sociais.
A estratégia de comunicação, por sua vez, se baseou em recuar cada vez
mais, esconder-se, não dar entrevistas, não conversar com ninguém.
O país ficou como que sem liderança, e as manifestações de rua nasceram
desse sentimento de insegurança, de não saber para onde vamos, de não saber o
que está acontecendo.
O resultado está aí. O desemprego nunca foi tão baixo no país, e ao
mesmo tempo cresce a desaprovação social às políticas federais de combate ao
desemprego!
Uma contradição que só se explica pelo fracasso estrondoso da
comunicação do governo. O chefe da Secom, Thomas Traumann, é um bom rapaz, bem
intencionado e progressista, mas não é um quadro político.
É provavelmente mais um jornalista preocupado onde vai trabalhar quando
não for mais ministro: que grande jornal ou revista irá empregá-lo?
E por isso jamais ousará enfrentar aqueles que irão empregá-lo no
futuro. Por isso mesmo que eu acho que a Secom deveria ser ocupada por
não-jornalistas. Por médicos, cientistas, servidores de carreira. Tudo menos
jornalistas, por conflito de interesse.
A Secom deveria propor políticas públicas criativas que, independente de
uma lei de mídia que não sabemos se sairá nessa década, poderiam ajudar a
trazer mais pluralidade ao mercado de opinião política.
O governo parece não entender que uma mídia mais plural – na área política
– enriqueceria a nossa democracia e modernizaria o país, contribuindo inclusive
para elevar nossa produtividade econômica.
A pluralidade na mídia não deveria ser encarada como uma reforma de
“esquerda”. Não é. Não necessariamente.
É uma bandeira antes liberal. Ela vai além da ideologia, porque sua
maior importância é permitir a materialização de valores democráticos.
É com essa toada que se poderá legitimá-la junto a setores mais austeros
da sociedade, hostis a qualquer tentativa de coibir a liberdade de imprensa,
mas abertos a reformas que possam melhorar a qualidade da nossa democracia.
Eu editei a conversa de Carvalho com os ativistas. Cortei muitos trechos
porque o vídeo tinha mais de duas horas, e separei o que me pareceu mais
interessante.
Recomendo fortemente que assistam. As intervenções de Pablo Capilé e
Renato Rovai são muito boas. Capilé observa que será muito difícil falar de
participação social sem trabalhar a regulação da mídia.
Rovai observa que o governo precisa assumir mais riscos.
A necessidade de um sistema público de comunicação mais ousado, mais
profissional, mais criativo, e um plano de banda larga mais arrojado, foram
citados como condições essenciais para o sucesso de qualquer esforço do governo
para mobilizar espectros mais amplos da sociedade em defesa de seus projetos.
A intervenção de Bia Barbosa, do Intervozes, é muito inteligente. Ela
explicou que o governo atrapalha a luta histórica pela democratização da mídia
quando toca no assunto apenas quando está sob ataque da imprensa.
Isso é um erro tático grosseiro, porque dá margem à interpretação de que
se trata de um processo que visa silenciar a crítica.
Não é isso. A democratização da mídia visa aumentar o número de vozes
críticas ao governo e às autoridades.
Hoje a própria crítica ao governo é monopólio da mídia.
A população, quando quer criticar o governo, precisa parar o trânsito
nas grandes cidades.
Esse ambiente asfixiante, em que a sociedade vê que só três ou quatro
famílias tem força para fazer uma crítica sistemática ao governo e pautar a
agenda política nacional, também pode ser uma explicação para a explosão de
insatisfação.
E a prova disso foi a hostilidade à imprensa corporativa que vimos nas
ruas.
Miguel do Rosário 19/06/2014
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