As manifestações contra o governo
Dilma que reuniram cerca de 2 milhões
de pessoas pelo Brasil no último
domingo ganharam a atenção da imprensa internacional, que acompanhou de
perto os acontecimentos, com publicação de notícias quase em tempo real.
Apesar de a cobertura inicial estar
mais presa aos fatos, sem que haja ainda muita análise sobre os impactos dos
protestos, foi possível perceber que boa parte da mídia estrangeira assumiu uma
postura crítica, comparando os protestos com os de junho de 2013 e percebendo
uma feição mais elitista da ida às ruas mais recente.
Segundo o jornal britânico "The
Guardian", os protestos reuniram pessoas "mais velhas, mais brancas e
mais ricas" de que em 2013.
Mais de uma centena de notícias foram publicadas até o início da noite
de domingo citando o Brasil no resto do mundo. Reportagens em inglês, francês,
espanhol, italiano e alemão ganharam espaço nos principais veículos de
comunicação do mundo.
O principal destaque foram as multidões de pessoas que tomaram as ruas e
sua oposição ao governo.
Algumas reportagens apresentaram entrevistas com manifestantes e falaram
sobre a pauta de reivindicações, desde o fim da corrupção ao impeachment de
Dilma.
Para socióloga Camila Maria Risso
Sales, que faz doutorado sobre a imagem internacional do Brasil na Universidade
Federal de São Carlos (UFSCar), ainda é cedo para fazer uma avaliação
aprofundada dos efeitos das manifestações na reputação do Brasil.
Ela avalia que a primeira impressão
deixada pela cobertura feita pela mídia estrangeira dos protestos deste fim de
semana é de que os principais veículos de imprensa "de alguma maneira
associaram os protestos à direita, às classes mais ricas e chamaram a atenção
para os pedidos de intervenção militar", disse, em entrevista ao UOL.
Segundo a pesquisadora, a publicação de notícias e análises a respeito
das manifestações no resto do mundo permite pensar em dois cenários para o se
pensa a respeito do Brasil no exterior:
"Alguns ressaltarão as
manifestações como resultado do processo de consolidação da democracia, mas
também podem surgir análises que destaquem a instabilidade gerada pelos
protestos", disse.
Para ela, entretanto, se houver algum impacto real na imagem do Brasil,
isso vai ocorrer mais por conta da condução da política econômica do que a
qualquer outra coisa.
Apesar de a cobertura internacional da realidade brasileira ter sido
extremamente crítica em relação à condução da economia pelo governo Dilma, as
principais opiniões internacionais a respeito da tensão política procuram
minimizar os debates a respeito de impeachment da presidente.
Tratando da imagem internacional
do Brasil, o impeachment é visto com ressalvas porque ele soa como uma
subversão das "regras do jogo" democrático, que é o que dá imagem de
estabilidade ao Brasil.
A transição democrática estabelecida desde os anos 1990, e fortalecida
com os governos de Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva
criaram uma imagem de segurança institucional para o Brasil, e o impeachment
pode romper com as garantias de que o país é confiável para o resto do mundo.
O pesquisador chileno César Jiménez-Martínez avaliou que a atenção dada
às manifestações atuais se diferencia por ser menos relacionada à violência, e
muito mais ligada aos números de pessoas nas ruas. Jiménez-Martínez analisa em
seu doutorado pela London School of Economics a imagem internacional do Brasil
durante os protestos de 2013, segundo ele, a cobertura deste ano não parece ter
a mesma urgência da de dois anos atrás.
"Em 2013, os números de
manifestantes e violência ganhavam destaque. Agora só se fala de números. Isso
se encaixa na narrativa de tempos difíceis para o Brasil que vem se construindo
nos últimos tempos", disse, em entrevista ao UOL.
Além disso, ele explica, também há o
diferencial do contexto, já que em 2013 havia a expectativa relacionada à Copa
do Mundo, e os protestos eram vistos como parte de uma tendência global,
seguindo o que havia acontecido na Espanha, na Turquia e nos movimentos Occupy.
Festival do ódio
Em reportagem publicada ainda na tarde de domingo, o jornal inglês
"The Guardian" chamou os protestos de "manifestações da direita"
causadas por insatisfação crescente com a "economia moribunda",
política travada e o imenso escândalo de corrupção na Petrobras. O
"Guardian" ainda descreveu cartazes escritos em inglês pedindo a
volta da ditadura.
"Os protestos de domingo foram
os maiores no Brasil desde 2013, mas o perfil e as políticas dos participantes
foram muito diferentes. As manifestações da Copa das Confederações dois anos
atrás tiveram suas origens em campanhas para assegurar transporte público
gratuito, e se espalharam rapidamente especialmente entre jovens, com ajuda de
redes sociais, após a violência policial inflamar a opinião pública.
A mais recente onda de protestos, entretanto,
é de um grupo mais velho, mais branco e mais rico, reunidos após uma grande
cobertura antecipada da grande mídia", disse.
Já a revista de economia "Forbes" chamou os protestos de
"festival do ódio". "Estranhamento, não é a deterioração da
economia que irrita os brasileiros. É a política. É a corrupção. Em outras
palavras, a política de sempre. E, agora, os brasileiros estão abrindo as
janelas dos seus apartamentos, colocando as cabeças para fora e gritando",
diz, em referência ao filme "Rede de Intrigas", de 1976.
O jornal americano "New York Times" ressaltou que o
impeachment ainda parece uma possibilidade distante, e defendeu a postura de
Dilma diante dos protestos.
"Em contraste com outros
líderes da região que responderam à dissidência com ataques a seus críticos e
uso de forças de segurança, a senhora Rousseff assumiu uma postura
relativamente pouco confrontadora", disse o "New York Times",
destacando que a presidente defendeu o direito de protestar dos brasileiros.
O jornal italiano "La Repubblica" destacou que havia
manifestantes pedindo intervenção militar para "por fim ao predomínio
político do partido dos trabalhadores". O jornal argentino
"Clarín" se referiu aos protestos como "uma crise vizinha",
e descreveu multidões de "dezenas de milhares" nos protestos.
A publicação ressaltou que as manifestações que chegavam a pedir a saída
do governo Dilma ocorreram 30 anos depois da redemocratização do país. O jornal
disse ainda que alguns partidários do governo chamaram de golpistas os
protestos.
Daniel Buarque
Do UOL, em São Paulo
Do UOL, em São Paulo
16/03/201506h59
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