Mesmo quando
interrompido o processo democrático, com a instalação de ditaduras - o que
ocorreu algumas vezes em nossa história - a política sempre foi feita com base
na troca de favores entre membros dos Três Poderes, e, principalmente, de
membros do Executivo e do Legislativo, já que, sem aprovação - mesmo que
aparente - do Congresso, ninguém consegue administrar este país nem mudar a lei
a seu favor, como foi feito com a aprovação da reeleição para prefeitos,
governadores e Presidentes da República, obtida pelo Presidente Fernando
Henrique Cardoso.
Toda estrutura
coletiva, seja ela uma jaula de zoológico, ou o Parlamento da Grã Bretanha,
funciona na base da negociação.
Fora disso,
só existe o recurso à violência, ou à bala, que coloca qualquer machão, por
mais alto, feio e forte seja, na mesma posição de vulnerabilidade de
qualquer outro ser humano.
O “toma-lá-dá-cá”
nos acompanha há milhares de anos e qualquer um pode perceber isto, se parar
para observar um grupo de primatas.
Ai daquele, entre
os macacos, que se recusa a catar carrapatos nas costas alheias, a dividir o
alimento, ou a participar das tarefas de caça, coleta ou vigilância.
Em seu longo e
sábio aprendizado com a natureza, já entenderam eles, uma lição que, parece,
há muito, esquecemos: a de que a sobrevivência do grupo depende da
colaboração e do comportamento de cada um.
O problema ocorre
quando nesse jogo, a cooperação e a solidariedade, são substituídas pelo
egoísmo e o interesse de um indivíduo ou de um determinado grupo, e a
negociação, dentro das regras usuais, é trocada por pura pilantragem ou o
mero uso da força.
O corrupto é aquele
que quer receber mais cafuné do que faz nos outros, o que rouba e esconde
comida, quem, ao ver alguma coisa no solo da floresta ou da savana, olha
para um lado e para o outro, e ao ter certeza de que não está sendo observado,
engole, quase engasgando, o que foi encontrado.
O fascista é aquele
que faz a mesma coisa, mas que se apropria do que pertence aos outros, pela imposição
extremada do medo e da violência mais injusta.
Se não há futuro
para os egoístas nos grupos de primatas, também não o há para os fascistas. Uns
e outros terminam sendo derrotados e expulsos, de bandos de chimpanzés,
babuínos e gorilas, quando contra eles se une a maioria.
Já que a negociação
é inerente à natureza humana, e que ela é sempre melhor do que a força, o que é
preciso fazer para diminuir a corrupção, que não acabará nem com golpe nem por
decreto ?
Mudar o que for
possível, para que, no processo de negociação, haja maior transparência, menos
espaço para corruptos e corruptores, e um pouco mais de interesse pelo bem
comum do que pelo de grupos e corporações, como ocorre hoje no Congresso.
O caminho para isso
não é o impeachment, nem golpe, mas uma Reforma Política, que mude as coisas de
fato e o faça permanentemente, e não apenas até as próximas eleições, quando,
certamente, partidos e candidatos procurarão empresas para financiar suas
campanhas, e espertalhões da índole de um Paulo Roberto Costa, de um Pedro
Barusco, de um Alberto Youssef, meterão a mão em fortunas, não para fazer
“política” mas em benefício próprio, e as mandarão para bancos como o
HSBC e paraísos fiscais.
O que é preciso
saber, é se essa Reforma Política será efetivamente feita, já que é fundamental
e inadiável, ou se a Nação continuará suspensa, com toda a sua atenção atrelada
a um processo criminal, que é o julgamento dos bandidos identificados até
agora, no Caso Petrobras, que, em sua maioria, sairão dessa impunes, para
gastar o dinheiro, que, quase certamente, colocaram fora do alcance da lei, da
compra de bens e de contas bancárias.
Pessoas falam e
agem, e sairão no domingo às ruas também por causa disso, como se o Brasil
tivesse sido descoberto ontem e o caso de corrupção da Petrobras, não fosse
mais um de uma longa série.
Se a intenção é
passar o país a limpo e punir de forma exemplar toda essa bandalheira,
era preciso obedecer à fila e à ordem de chegada, e ao menos reabrir, mesmo que
fosse simultaneamente, casos como o do Banestado - que envolveu cerca de 60
bilhões - do Mensalão Mineiro, do Trensalão de São Paulo, para que estes, que
nunca mereceram a mesma atenção da nossa justiça nem da sociedade, fossem
investigados e punidos, ao mesmo tempo que o da Petrobras, em nome da verdade e
da isonomia, na grande faxina moral que se pretende estar fazendo
agora.
Ora, em um país
livre e democrático - no qual, estranhamente, o governo está sendo acusado de
promover uma ditadura - qualquer um tem o direito de ir às ruas para protestar
contra o que quiser, mesmo que o esteja fazendo por falta de informação, por
estar sendo descaradamente enganado e manipulado, ou por pensar e agir mais com
o ódio e com o fígado do que com a razão e a cabeça.
Esse tipo de
circunstância facilita, infelizmente, a possibilidade de ocorrência dos mais
variados - e perigosos - incidentes, e o seu aproveitamento por quem
gostaria, dentro e fora do país, de ver o circo pegar fogo.
No frustrado golpe
contra o Presidente Chavez, eleito no ano 2000, dois anos depois,
franco-atiradores de grupos contrários a ele, infiltrados nas manifestações,
atiraram contra opositores e puseram a culpa em seus seguidores -
tentando jogar o país contra o governo.
E a mesma coisa
ocorreu no ano passado, na queda do governo Yanukovitch, na Ucrânia, quando
franco-atiradores neonazistas dispararam suas armas contra a multidão Praça
Maidan, em Kiev, e depois colocaram a culpa em tropas do governo, como afirmou
o ministro das relações exteriores da Estônia, Urmas Paet, à Chefe de
Assuntos Estrangeiros da União Europeia, Chaterine Ashton.
Para os que estão
indo às ruas por achar que vivem sob uma ditadura comunista, é sempre bom
lembrar que em nome do anticomunismo, se instalaram - de Hitler a Pinochet -
alguns dos mais terríveis e brutais regimes da História. E que nos discursos do
líder nazista podem ser encontradas as mesmas teses, e as mesmas acusações
falsas e esfarrapadas que se encontram hoje, disseminadas, na internet
brasileira.
Esperemos que os
protestos de domingo transcorram pacificamente, se isso for possível - considerando-se
a forma como estão sendo convocados e os apelos ao uso da violência que já
estão sendo feitos por algumas organizações - e que, mesmo que venham a ser
utilizados por inimigos internos e externos para antagonizar e dividir os
brasileiros, não tragam como consequência a morte de ninguém, além da
verdade - que já se transformou, há muito tempo, antes mesmo que tenham
começado, na primeira e mais emblemática vítima dessas manifestações.
Há muitos anos,
deixamos de nos filiar a organizações políticas, até por termos consciência de
que não há melhor partido que o da Pátria, o da Democracia e o da
Liberdade.
O rápido
fortalecimento da extrema direita no Brasil - apesar dos alertas que tem sido
feitos, nos últimos três ou quatro anos anos, por muitos observadores - só
beneficia a um grupo: à própria extrema direita, cada vez mais descontrolada,
radical e divorciada da realidade.
Na longa travessia,
pelo tempo e espaço, que nos coube fazer até agora, entre tudo o que aprendemos
nas mais variadas circunstâncias políticas e históricas, aqui e fora do país,
está uma lição que reverbera, de Weimar a Auschwitz, profunda como um corte:
Com a
extrema-direita não se brinca, não se tergiversa, não se faz acordo.
Quem não perceber
isso - esteja na situação ou na oposição - está sendo ingênuo, ou
irresponsável, ou mal intencionado.
Mauro Santayana no JB de 15/03/2015
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