Quanto o corte de 200 milhões na
publicidade da Globo em 2015 pesou para o ataque selvagem da empresa contra o
governo Dilma?
Quem acredita que não pesou nada
acredita em tudo, na grande frase de Wellington.
A Globo é uma empresa que sempre
subordinou a Igreja ao Estado. Igreja e Estado foi uma histórica expressão
cunhada cerca de um século atrás por um dos maiores gênios do jornalismo, Henry
Luce. Luce fundou a Time e, com ela, a indústria das revistas semanais de
informação. A Veja é filha — bastarda, é verdade — da Time.
Luce sabia que para o sucesso da
revista era imperioso separar os interesses da redação e os da área comercial.
A redação era a Igreja. A área comercial, o Estado.
Nos bons tempos da Editora Abril,
quando havia uma cultura jornalística respeitável, falava-se intensamente no
muro que devia haver entre Igreja e Estado.
Eram exatamente estes os termos que
usávamos. Era comum, nos finais de tarde das sextas feiras, os vendedores de
publicidade serem enxotados da sala do diretor de redação. Queriam colocar mais
anúncios, e a redação não aceitava a patadas porque a revista já estava
infestada de publicidade.
A cultura da Globo é o oposto da Time.
A Igreja — o jornalismo — existe para servir o Estado. Os anunciantes terão
tratamento privilegiado editorial caso coloquem dinheiro na Globo. Serão
poupados da publicação de notícias desagradáveis. Tente encontrar na Globo uma
notícia ruim sobre um grande anunciante.
A lógica com os políticos é diferente.
Se eles fizerem coisas que não atendam aos interesses da Globo, sabem que
ficarão na mira. Morrem de medo por isso.
Eduardo Cunha pôde roubar sem problemas
por décadas porque nunca fez nada que contrariasse a Globo. Como presidente da
Câmara, ceifou qualquer discussão sobre a regulação da mídia e apoiou uma causa
caríssima à Globo: a terceirização da mão de obra.
Tivesse estimulado qualquer discussão
sobre a mídia, Eduardo Cunha estaria preso há muito tempo.
A cultura predadora da Globo lembra a
da ditadura militar. Armando Falcão, um dos ministros mais poderosos de Geisel,
escreveu ao chefe que o governo tinha armas formidáveis para controlar, ou
subjugar, a imprensa: o dinheiro público.
Empréstimos jamais pagos e nem cobrados, publicidade farta, mamatas fiscais como o papel imune (as empresas jornalísticas não recolhem imposto sobre o papel usado em jornais e revistas) — tudo isso era usado pela ditadura na relação com a mídia.
Empréstimos jamais pagos e nem cobrados, publicidade farta, mamatas fiscais como o papel imune (as empresas jornalísticas não recolhem imposto sobre o papel usado em jornais e revistas) — tudo isso era usado pela ditadura na relação com a mídia.
O Jornal do Brasil, então o mais
influente diário nacional, contratou como articulista nos anos 1960 Carlos
Lacerda, então inimigo dos generais. Falcão chamou a um encontro o dono do JB e
avisou que isso não seria tolerado, ou os privilégios seriam cortados.
A Globo sabe a força que tem, assim
como a ditadura, e como os generais usa isso sem nenhuma cerimônia.
Você de alguma maneira prejudicou o
Estado na Globo? Você está frito. A Igreja — o jornalismo — vai caçar você.
Esse mecanismo de extorsão disfarçada
vai se exaurindo com a Era Digital, que mina a influência da Globo e de toda a
mídia tradicional.
Isso parece dar ainda mais ferocidade à
empresa na defesa de seu Estado.
Vistas as coisas em retrospectiva, o
grande erro de Lula foi não ter moralizado logo no começo de seu governo,
quando tinha força, a indecente verba de publicidade da Globo.
Quantos hospitais, quantas escolas,
quantas estradas deixaram de ser construídos com o dinheiro que foi dar no
bilionário patrimônio dos Marinhos?
Duzentos milhões de reais a menos com
certeza enfureceram os donos da Globo. Roberto Marinho, quando pedia favores
aos militares, dizia que empresa que não cresce acaba morrendo. (Isso está dito
no livro Dossiê Geisel, à base de papéis de trabalho guardados por Geisel.)
Em dado momento, e já escrevi aqui
sobre isso, a Globo passou a se comportar como a Veja. Ficou aloprada. Todas as
suas mídias se dedicaram a desestabilizar Dilma.
Saber agora que isso coincidiu com a
redução do dinheiro fácil da publicidade federal dá lógica à guinada — aliás
nada discreta — da Globo.
A Igreja na Globo é um instrumento do
Estado — os cofres da empresa e dos acionistas. E a Igreja foi acionada, ao que
tudo indica, para punir quem ousou reduzir o dinheiro público bilionário que
vai dar no Estado.
Texto:Paulo Nogueira no DCM
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