Standard
& Poor's concordou em pagar US$ 1,4 bilhão ao governo americano em caso que
reacendeu questionamentos sobre atuação de empresas de classificação de risco.
A decisão da agência Standard & Poor's de rebaixar o Brasil em sua
avaliação sobre os riscos do país não apenas poderá custar
bilhões à economia do país pela fuga de investimentos como promete acirrar
ainda mais a crise política envolvendo a presidente Dilma Rousseff.
Há alguns meses, no entanto, quem se via sob fogo
cerrado era a própria instituição: a S&P foi ré em um processo movido pelo
Departamento de Justiça dos EUA, que acusou a agência de ter mascarado o grau
de risco de investimentos nos chamados papéis subprime, os vilões da crise
financeira desencadeada em 2008.
Segundo as acusações, a empresa teria
propositalmente ocultado chances de prejuízos.
Em um acordo extrajudicial anunciado em 3 de
fevereiro, a S&P concordou em pagar ao Tesouro americano o equivalente a
quase US$ 1,4 bilhão (R$ 5,4 bilhões na cotação atual). O episódio reacendeu o
debate sobre a credibilidade das agências de classificação de risco e os
possíveis conflitos de interesse envolvendo suas atividades.
Basicamente, a S&P e outras agências
semelhantes como Moody's e Fitch são empresas que avaliam, entre outras
questões, a capacidade que uma empresa ou país tem de pagar suas dívidas.
No caso do Brasil, a agência baixou a nota do país
de BBB- para BB+, tirando seu grau de investimento (espécie de selo de bom
pagador). Em seu comunicado, a S&P diz que "os desafios políticos que
o Brasil enfrenta continuaram a aumentar", tendo reflexos sobre "a
capacidade e a vontade do governo" em submeter um Orçamento para 2016
"coerente com a significativa sinalização de correção" da política
econômica no segundo governo Dilma Rousseff.
'Vereditos'
Os "vereditos" das agências servem de orientação para investidores em
busca de oportunidades para aplicar seu dinheiro. Alguns fundos só podem,
segundo as normas de seu estatuto, aplicar seus recursos em países que tenham
grau de investimento.
Nos últimos anos, sua atuação gerou polêmica. Em
2011, quando a mesma S&P reduziu a nota dos Estados Unidos de AAA para AA+
pela primeira vez na história - citando "desafios fiscais e
econômicos" ante o "enfraquecimento" das instituições políticas
americanas -, o prêmio Nobel de Economia Paul Krugman escreveu em artigo que a
agência tem pouca "credibilidade" e é "a pior instituição à qual
alguém deveria recorrer para receber opiniões sobre as perspectivas do nosso
país (EUA)".
"O grande deficit orçamentário dos Estados
Unidos é, afinal de contas, basicamente o resultado da queda econômica que se
seguiu à crise financeira de 2008. E, a Standard & Poor’s, juntamente com
as outras agências de classificação de riscos, desempenhou um papel importante
no que se refere a provocar aquela crise, ao conceder classificações AAA a
papéis lastreados em hipotecas que acabaram se transformando em lixo
tóxico", escreveu Krugman.
E em 2012, o órgão fiscalizador da União Europeia
para a indústria de serviços financeiros, a Esma, publicou uma danosa avaliação
do trabalho das três agências, apontando problemas de transparência em suas
avaliações.
No final de 2014, quando publicou seu mais recente
relatório anual, a entidade manteve as críticas.
"Encontramos problemas no controle da
qualidade de informação e em metodologias, por exemplo, que poderiam afetar a
qualidade das avaliações de risco", disse na ocasião o presidente do
órgão, Steven Maijoor.
Concentração
Uma crítica específica girou justamente em torno da crise desencadeada na
Europa no início da década. Além de rebaixar países em dificuldades, como
Grécia, Irlanda e Portugal, as agências também revisaram para baixo o grau de
investimento de países como França e Áustria.
Para algumas autoridades da União Europeia, isso
ajudou a intensificar os problemas no bloco e desencadeou pedidos para a
criação de uma agência independente europeia de classificação de crédito (as
três empresas têm sede nos EUA).
S&P, Fitch e Moody's controlam uma parcela de
mais de três quartos do mercado global de avaliações de risco, o que desperta
críticas sobre conflitos de interesse em seus serviços, já que acabam sendo
pagas pelos mesmos clientes que deveriam estar examinando - um ponto que se
tornou ainda mais polêmico no caso da Moody's, que em 2000 lançou ações na
bolsa.
Um estudo conjunto de universidades americanas,
divulgado em julho do ano passado, e coordenado pelo acadêmico Shivaram
Rajgopal, alega que a Moody's teria sido mais generosa que a concorrência na avaliação
de títulos emitidos por empresas ligadas a seus principais acionistas.
"É uma situação em que uma indústria de
oligopólio ganhou enorme poder, então tal problema é inevitável", disse
Rajgopal.
Questionada pela BBC Brasil a respeito da crise de
credibilidade das agências de risco após as críticas relativas à crise de 2008,
a analista Alessandra Ribeiro, da Tendências, diz que essa "crise não foi
totalmente superada, mas a questão é que até hoje não foi criada nenhuma
alternativa a essas agências, e os investidores precisam dessas informações
para saber onde colocar seus recursos".
No início do ano, ao anunciar o acordo e multa
sobre a S&P, o então secretário de Justiça dos EUA, Eric Holder, afirmou
que a agência admitiu que "executivos da empresa se queixaram de que a
empresa resistiu a rebaixar ativos de baixa performance temendo que isso
prejudicasse os seus negócios".
Mas, na mesma ocasião, a McGraw Hill - conglomerado
que inclui a S&P - afirmou que o acordo "não traz nenhuma descoberta
de violação da lei".
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