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quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Teresópolis: histórias de recomeço


Dona Iracema varre a calçada bem em frente à loja onde funcionou, até 12 de janeiro, uma auto-elétrica. A invasão da água destruiu uma das portas, alagou a oficina e destruiu o equipamento.


“E o rapaz só volta se eu mandar consertar”, diz a proprietária da loja e do prédio de dois andares na beira da Teresópolis-Friburgo, na devastada Vieira.


Dona Iracema conversa de olho na passagem do lixeiro. “Tem muito lixo e lixo em casa não é coisa boa”, diz enquanto aponta os fundos da propriedade, onde desapareceram duas casas, em que moravam um filho e uma filha, casados.

As famílias estavam em casa na hora da chuva. “Meu filho não, ele estava com o caminhão entregando verduras em cidades por aqui perto”, explica.  “Quando eles viram a água subir correram para cá; alguns vizinhos também vieram”, conta

Das casas não há vestígio. A passagem de tratores acabou derrubando o pouco que ficou de pé. Um quarto e uma cozinha na casa do José, o filho. “Eles perderam tudo, lembra.”

A avó, passados os momentos de desespero, teve muita pena da neta de oito anos. “Ela contou para um amigo da família que perdeu muita coisa: a casinha de bonecas e toda a criação dela!” 

Os galos e galinhas garnisé e alguns coelhos desapareceram na enxurrada, quando a “estrada parecia um rio”, na visão de Dona Iracema.

“Eu perdi muita coisa. As casas dos filhos... não sei quando vou poder consertar a porta para que o Nivaldo (ela não se lembra do nome completo do inquilino da loja) possa voltar a trabalhar e pagar o aluguel...

As maquinas de costura não vão funcionar mais (Um pequeno ateliê ficava na parte de baixo do prédio e foi inundado, depois que a água derrubou a porta de madeira).

Dona Iracema só deixar de espiar o lixeiro quando é perguntada sobre se perdeu algum parente na tragédia. Aí os olhos marejam: meu sobrinho, a mulher dele e a filha, de dez anos. “O corpo da menina só apareceu muitos dias depois”.

A casa na parte alta de Vieira foi arrasada por um aluvião que desceu da encosta e hoje forma um rio de pedras, seco, dividindo em duas a localidade. Quem não estava no caminho das águas ficou com a casa intacta.

Dona Iracema volta a espiar a passagem do lixeiro enquanto recomenda uma olhadela no que sobrou no terreno bem ao lado de sua casa: uma padaria e um mercadinho sumiram do mapa; parte do hortifruti está dentro do rio que passa lá atrás, paralelo à Teresópolis-Friburgo na parte mais plana de Vieira.

Pertinho dali, mas do outro lado da estrada o Mercado Vieira não sofreu nenhum dano direto por causa das chuvas do dia 12. Mas Rosimar Freitas, proprietária, explicou que está sentindo e muito os efeitos da enchente.

“As pessoas receberam cestas básicas e estão comprando muito pouco; apenas a carne está vendendo como antes”, explica. Rosimar contabiliza 60 mortos em Vieira, nove ali no centro “onde muitas casas caíram”.

Carlos Pinto Carneiro, que todo mundo conhece como Lilito, dono do bar e mercearia que leva seu nome concorda que ali, no centro, morreram nove pessoas, mas conta mais de noventa mortos na área de Vieira. “Perdi muitos amigos. Sabe como é, lugar pequeno todo mundo se conhece!

O comerciante nunca viu nada parecido com o 12 de janeiro. “Há 50 anos, teve uma enchente, a estrada era de barro e bem mais baixa do que hoje, mas ficou longe do que aconteceu no dia 12”.

Lilito, com mais ou menos nove anos na época, não se lembra muito bem se pessoas morreram na enxurrada. Agora ele acha que o problema foi o encontro da cheia do Rio (lado esquerdo de quem vai de Teresópolis para Friburgo) com a enxurrada que desceu das cabeceiras no chamado Alto de Vieira (lado direito da estrada).

O dono do bar e mercearia ouviu muito gente falando em mudar, trocar Vieira e seus riscos por um local mais seguro, mas não acredita. “As pessoas não vão deixar seu lugar. Mesmo que a casa tenha sido destruída tem o terreno; podem construir outra. E o pessoal que tem lavoura? Como é que esse pessoal vai largar pra lá o seu sustento?

Um freguês conhecido entra na loja (todos são conhecidos, amigos, segundo Lilito). Os dois começam a conversar, mas o dono do bar ainda recomenda uma ida até o Hotel Saint Moritz.

“Eles estão sem luz até hoje (sexta-feira, 4 de fevereiro) e os bangalôs só não foram atingidos porque tinha muita árvores para proteger o hotel”, conta. 

Reportagem de José Attico

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