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domingo, 7 de janeiro de 2024

Xadrez

Chamava-se Luis Carlos, mas era conhecido pelo apelido, Zica. Deveríamos ter em torno de 13, 14 anos éramos vizinhos no Leblon e ele era um exímio enxadrista. Eu tinha interesse no jogo; aprendi a mover as peças corretamente, mas entre esse estágio e saber jogar havia uma distância brutal. Então enfrentar Zica no tabuleiro era a certeza de tomar o chamado xeque do pastor. Ou seja, em três ou quatro jogadas você era contemplado com um xeque-mate inapelável.

Jogando com outros aprendizes cheguei a vencer duas ou três partidas, mas a suprema glória foi derrotar, por desistência, um adversário bem mais experiente. E apontado como alguém credenciado a “ser derrotado com dignidade”, toda vez que enfrentava o mago Zica.

A “fama” acompanhou minha vitória e fui desafiado por outros vizinhos do prédio. Não joguei, preferi manter aquela aura de vencedor enquanto desse. Mas para meu desgosto chegou o dia em que tive que dar revanche ao meu adversário.

No espaço entre um jogo e outro eu havia encontrado, na estante de meu pai, um velho livro que mostrava vitórias de Capablanca, enxadrista cubano conhecido por derrotar jogadores russos, nos anos 40/50. Os russos já eram os melhores do mundo.

Custei a entender os números que mostravam os movimentos feitos por Capablanca e adversários. Mas entendi e numa noite chuvosa, no corredor do sétimo andar, sentados no chão, dei a revanche a meu adversário. E venci de novo. Não sei como, acho que o cara estava nervoso e abandonou o jogo quando o xeque-mate era uma possibilidade ainda meio distante.

Minha fama cresceu entre os adolescentes dos prédios vizinhos. O pai de um amigo mais próximo veio me cumprimentar e desejar que eu continuasse a jogar, que iria longe, que o xadrez ajudava no raciocínio, melhorava a visão espacial, além de outros benefícios.

Fui incentivado por vários garotos - nessa época meninas nunca estavam por perto - a desafiar o poderoso Zica. Não desafiei, alguém fez isso por mim e até hoje acho que foi pura sacanagem. Disseram que eu estava pronto. E, incrível, eu quase acreditava. Até ganhei, de um parente distante um belo tabuleiro com peças que pareciam de marfim. Só pareciam.

No grande dia apareceu até uma mesinha, dessas de armar e alguém foi buscar duas cadeiras no apartamento ao lado. O gênio estava sorridente e, claro, absolutamente confiante. Estava com as brancas e fiz o primeiro movimento. Zica fez o mesmo sem olhar para mim.

Cinco minutos depois eu estava encurralado, o xeque-mate muito próximo. Alguém me recomendou a desistência pura e simples. Antevi o mate inapelável dois movimentos depois. Derrubei o rei e me surpreendi com a mão do fabuloso Zica estendida na minha direção.

Peguei o elevador sozinho, desci em casa no sétimo andar. Nunca mais joguei xadrez.     

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