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terça-feira, 2 de janeiro de 2024

O estrangulamento da velhinha

 “Tem um furo aí pra você”. A palavra furo (de reportagem) já estava em desuso naqueles idos dos anos 60. A voz era do detetive... vamos chamar de Lino, parecia animada. Eu o conhecia pouco, mas alguém na redação tinha me dito que era um cara “limpo”. O que era mais do que um elogio. Cara limpo, ontem como hoje, era o que não levava grana. Não extorquia ou não criava dificuldades pra vender facilidades. Bom, Lino talvez só recebesse propina dos bicheiros.  Bicheiros eram a fonte que melhorava o salário dos policiais.

Agora traficantes e milicianos dão as cartas no mundo que é o objeto das editorias de polícia.

“Lembra daquele caso da velhinha estrangulada naquela casa no Riachuelo?” Eu lembrava, a velhinha tinha sido casada com um desenhista que fizera charges para uma revista editada no começo do século 20. A matéria, feita por mim, talvez um mês antes, teve chamada de primeira página. “Se você quiser a gente pode buscar o cara,” continuou Lino.

A oferta me interessava. Relativamente novo na editoria de polícia eu era olhado com um pouco de desconfiança pelo pessoal mais antigo. Então conseguir dar a prisão do assassino da velhinha, eu imaginava, era uma subida de status.

“O problema é que não tem viatura”, continuou Lino. “Têm dois camburões quebrados e os dois carros tão em diligência”. Respondi que isso não era problema, podíamos fazer a prisão no carro de reportagem. Era o que o detetive esperava, eu acho.

Claro que isso contrariava as normas do jornal, mas eu achava que se fosse o único a dar a prisão, esse detalhe seria esquecido. Ninguém nunca soube. Motorista e fotógrafo eram parceiros.

Eram mais ou menos dez da noite quando o porteiro avisou que tinha alguém a minha espera. A essa altura o motorista da Rural já sabia que íamos sair por enquanto sem destino. Inventei uma história para os dois repórteres que tinham acabado de me render no plantão e meia hora depois estávamos a caminho da Rua Vinte e Quatro de Maio, no subúrbio de Riachuelo.

No caminho Lino contou que o marido da empregada era o assassino. O homem era esperto. E frio, ele próprio chamou a polícia para contar que, naquela noite quando viera buscar a mulher, encontrou-a amarrada num canto da sala. Ele a livrou das cordas e os dois então encontraram o corpo da viúva do chargista.

No dia do crime a mulher contou pra a polícia que dois homens mascarados haviam entrado pela porta dos fundos e, em seguida tinham obrigado a velhinha a dizer onde ela escondia o dinheiro. A empregada disse que sua patroa tinha pouco dinheiro, apenas uns trocados que eles podiam levar; que ela recebia só uma pensão por morte do marido. Mas não adiantou. Os dois homens levaram a velhinha para os fundos da casa e ela ficou amarrada na sala. 

Lino contou, quando a Rural deslizava por ruas quase vazias àquela hora, que chegara a conclusão de que a empregada e o marido eram os assassinos porque soubera por algum vizinho da existência de uma ex-empregada da casa. Ex-empregada de confiança. O detetive foi atrás sozinho, era típico dele. Encontrou a mulher em Magé e então soube que a viúva recebido uma razoável quantia em dinheiro.  

Um funcionário do banco tinha procurado a velhinha em casa para dar a notícia. Contra a opinião do funcionário do banco e da empregada de confiança maços de notas foram levados para a casa num taxi. E singelamente escondidos no colchão da cama onde a velhinha dormia. Além disso, a mulher também contou que em algum lugar na casa havia uma boa quantidade de joias. Ela, agora numa cadeira de rodas, sabia onde estavam.

O carro tinha entrado na rua da casa onde o crime tinha acontecido. Era uma rua típica dos subúrbios: casas pequenas, bem próximas divididas por muros baixos, quintais cimentados onde vira-latas latiam ao menor sinal dos passos. Lino tinha perguntado, na noite do encontro do cadáver, se os cachorros tinham dado sinal, mas a empregada não se lembrava.

Antes de sair do carro o policial desembrulhou um revólver, e disse que a arma era dele, particular, registrada; se eu quisesse... “Sou só o repórter”, lembrei. “Vou esperar aqui fora”.

A espera foi curta. Dez minutos depois o detetive apareceu com o homem já algemado e a mulher segura pelo braço.

Eu e o fotógrafo viajamos sentados na frente, junto com o motorista; Lino e os dois presos no banco de trás. A viagem foi curta. Uma delegacia de bairro, próxima, recebeu o casal. No caminho eu já havia anotado alguma coisa. Mais tarde fui chamado à sala onde os presos estavam.

O homem tinha sangue na boca. Sem maiores problemas, contou como ele e a então empregada tinham tramado roubar o dinheiro do colchão e as joias da velhinha. Como sabiam que a morta não tinha parentes – uma filha com síndrome de Dow morrera cinco ou seis anos antes – decidiram continuar na casa.

Na redação, já pela madrugada, fechei a matéria. Desci para tomar um conhaque num bar ali perto que não fechava nunca. Tomei dois. Esperei a chegada do Tavares, um dos chefes da redação que chegava às cinco horas da manhã. Lembrei a importância da matéria.

A edição que ia para outros estados, já estava praticamente rodada e já não se usava o “parem as máquinas!” comum nos filmes americanos sobre furos jornalísticos.

Mas no dia seguinte, na banca próxima de casa, na primeira pagina estava a chamada com a prisão. A matéria também encabeçava a página de polícia.  

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