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quinta-feira, 4 de janeiro de 2024

Cecília

 O grande portão de aço, saída pelos fundos do quartel, dava para a praia. Parte da estreita faixa de areia branca havia sido coberta por um quadrado de cimento que chegava até a calçada. Coisa nova, mandada fazer pelo comandante, para que o Mercedes Benz que utilizava pudesse deixar discretamente o quartel. Era por ali que o general deveria sair naquele fim de tarde. O general era um homem metódico; do quartel direto para a casa que ficava a uns três quilômetros de distância numa rua perpendicular a praia.

A casa outrora pertencera a um deputado de oposição preso e depois exilado na Europa.

O general encerrava o expediente sempre as quinze para cinco da tarde. Trocava a farda de serviço por um terno discreto e tocava a campainha para chamar o motorista. Viajava no banco de trás, sem escolta, seguro de que sua paz não seria interrompida, apesar de atentados estarem ocorrendo nos últimos meses contra os militares que agora mandavam no país.

Tinha sido combinado que eu dirigiria o Ford até um local próximo do portão, chegando dois a três minutos antes das cinco. Deveria emparelhar com o carro do general para que Cecília Acosta pudesse atirar de muito próximo.  Cecília estava mais nervosa do que eu podia esperar, segurando a pistola com a mão direita e a esquerda na trava de abertura da porta de trás. Como se fosse rápido sair do carro, coisa que não estava nos planos.

Então vimos a bicicleta. Vinha o mais rápido que podiam as pernas do homem que pedalava. Eu e Cecília devíamos ter pensado ao mesmo tempo no que podia acontecer, quando o portão do quartel começou a abrir. O homem da bicicleta também viu e fez um sinal na direção do carro. Vimos, ao mesmo tempo, que quem pedalava era Rodrigo. Liguei o carro, mas fiquei parado enquanto o Mercedes atravessava o portão. Depois, contornei bem devagar a praça, passando pela porta principal do quartel e tomei um rumo que não fora combinado.

Cecília desceu no quarteirão seguinte. Dobrei duas vezes a esquerda e parei numa rua estreita. Crianças brincavam na calçada. A arma ficou caída no fundo do carro junto ao banco do carona. Em cinco minutos alcancei a rua principal e peguei o ônibus que por sorte passava naquele momento.

Só fui encontrar Cecília Acosta mais ou menos vinte anos depois. Ela e Rodrigo tinham casado e tinham filhos.    

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