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sábado, 6 de janeiro de 2024

O fantasma de chapéu

 

Era uma noite de muita chuva e a pauta não era nada segura. A informação tinha sido passada por um velho repórter, apenas contando o tempo pra aposentadoria. Segundo ele havia um corpo numa daquelas ruas sem saídas comuns no bairro, próximo ao centro da cidade.

Quando chegamos à subida – o bairro todo ficava no alto de um morro – uma cascata descia pela rua. Papéis, garrafas, plásticos, pedaços de madeira desciam junto ao meio fio do lado esquerdo. O motorista hesitou um segundo. Depois engatou a primeira e a Rural Willis com tração nas quatro rodas começou a subida. Passava de onze da noite.

Conhecedor de toda a cidade, Salvador Caso (”Caso” era o apelido dato pelos colegas de trabalho porque o motorista gostava de inventar “casos”, com mulheres que moravam nas redondezas). Talvez um ou dois fosse real. Caso conhecia cada rua, cada praça, cada servidão dos bairros do Rio. Dediquei uma praga ao inventor da pauta, mas assim que dobramos a esquerda vimos o camburão da civil com as luzes acesas.

Tive que puxar o lençol molhado que cobria o corpo para ver o ferimento a bala no rosto de um homem de menos de trinta anos. O fotógrafo bateu duas fotos. Para o arquivo do jornal, que não publicava fotos de mortos anônimos. Sentei na parte da frente do camburão. O detetive, que eu conhecia, e outro policial discutiam irritados.

O local onde estávamos parados era assombrado, segundo moradores. O fantasma de um homem alto e magro, usando um chapéu enterrado na cabeça - ninguém conseguia ver o rosto na escuridão - costumava andar exatamente no trecho da rua onde estava o morto. O detetive acabara de ver o fantasma e seu companheiro debochava. O terceiro policial, no banco de trás do camburão não sabia a quem dar razão.

Copiei os dados que estavam na carteira de identidade e na carteira de trabalho; o morto estava, talvez, a procura de emprego. O detetive passou as poucas informações obtidas com moradores do lugar: horário presumível, uma discussão aos gritos antes do tiro. E só. Ninguém conhecia o morto.

Quinze minutos mais tarde a chuva, que não parava, confundiu Salvador Caso e depois de rodarmos por algum tempo acabamos saindo da mesma rua onde ainda estavam o carro da polícia e o corpo. A discussão agora era entre Salvador Caso e o fotógrafo Ivanildo. Caso tinha visto o tal fantasma dois ou três minutos atrás. O fotógrafo não acreditava. Como é que ele sentado do lado não tinha visto nada!

Fizemos o retorno e logo depois estávamos a caminho do jornal, no centro da cidade. A chuva continuava forte e tivemos que entrar correndo na portaria do jornal. Amaldiçoei aquela pauta que não ia render nada e fiz uma notinha de cinco linhas, apenas pra registro, pensando divertido no homem alto de chapéu que tinha visto atrás de uma árvore no meio da mata onde a rua sem saída terminava.

 

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