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sábado, 6 de janeiro de 2024

Fantasma do meio-dia

 Aconteceu com a minha avó e duas irmãs dela bem antes do meu nascimento. Deve ter sido nos primeiros anos do século 20.

De uma das janelas laterais da casa do meu avô em São Cristovão avistava-se o Morro do Telégrafo, naquele tempo um pedaço de mata atlântica, onde começavam a despontar alguns barracos tristes. Depois, já na minha infância, o número tinha aumentado, mas havia também casas de alvenaria, construídas por uma classe média pobre.

É bom lembrar que, nos primeiros anos do século 20, os barracos eram de madeira e o telhado de zinco. E serviam de inspiração para algumas letras de músicas do cancioneiro popular daqueles tempos.  

Então da janela lateral era possível ver casas no meio da mata e duas ou três servidões por onde os moradores desciam até o Largo do Pedregulho. Ali havia um pequeno comércio, farmácia, quitanda, açougue, barbeiro, uma oficina para conserto de aparelhos de rádio. E um belo chafariz, que diziam ser do tempo do imperador Dom Pedro II.

Acontece que volta e meia um fantasma aparecia no meio da mata - durante o dia - fazendo com que minha avó e as irmãs se ajoelhassem imediatamente para rezar e exorcizar a aparição. Os filhos mais velhos da minha avó, meus tios, eram ainda crianças pequenas, mas na casa morava um agregado. Com status parecido ao de José Dias, celebrado nas páginas de Dom Casmurro de Machado de Assis.

Devia contar pelos 25 anos, nunca trabalhou e a tuberculose que adquiriu era atribuída a uma vida de farras, exageros e, suponho, muita bebida. Seu nome completo eu nunca soube; era chamado apenas de Ventura. Sobre essa personagem havia histórias meio fantásticas, e uma tarde vendo ajoelhadas as tias – ele era um sobrinho meio distante da minha avó - ficou impressionado, mas não disse nada a ninguém da casa.

Nos dias que se seguiram passou a ficar de tocaia no caminho do fantasma. E, é claro, pegou envolvido num lençol o ajudante do quitandeiro, que aproveitava a hora de almoço para aterrorizar as velhinhas das redondezas. O fantasma desceu do morro sob uma chuva de cascudos e teve que se desculpar, ajoelhado, com minha avó e irmãs.

A morte do agregado Ventura, anos mais tarde, teve uma aura de heroísmo. No seu último dia de vida ele chamou meu avô no quarto e disse que ia morrer naquela noite. Mas advertiu que as chamadas exéquias só poderiam acontecer na tarde do dia seguinte: meu tio mais velho, João, tinha uma prova no Colégio Militar pela manhã e não podia faltar.

Seu desejo foi cumprido.          

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