“O
ovo da serpente tem uma característica especial: ele não tem casca, mas sim uma
película muito fina e transparente que permita que se veja o embrião se
desenvolvendo. O que quero dizer com essa metáfora é que nós estamos vendo o
desenvolvimento de um embrião fascista no Brasil.
Está em nossas mãos a
decisão. Podemos deixar esse embrião crescer, sair desse ovo e amanhã picar o
nosso calcanhar, ou podemos esmagá-lo agora. O ovo da serpente permite que
vejamos à frente.
Estou tentando chamar a atenção, não só da esquerda, mas das
forças progressistas e democráticas em geral, para a ameaça de um grave
retrocesso político e ideológico no País. Esse retrocesso não se mede apenas
pela crise dos partidos, em particular pela crise dos partidos de esquerda e,
de modo mais particular ainda, pela crise do PT. Tampouco se mede apenas pela
crise do governo Dilma. Ele se mede, fundamentalmente, pela ascensão de uma
opinião, que já está se tornando orgânica, de retrocesso conservador.”
“Já há um baluarte institucional perigosíssimo desse processo, que é a
Câmara dos Deputados. Eduardo Cunha não foi colocado ali pelo acaso, ele
representa um núcleo pensante conservador brasileiro. Esse núcleo, na Câmara,
está representado pela chamada bancada BBB, ou seja, os grupos do boi, do
agronegócio atrasado, da bala e da Bíblia, que reúne os evangélicos primitivos
e midiáticos. Isso tudo se juntou”.
Esquerda não levou a sério o tema da comunicação
“Mas é preciso dizer que a grande responsabilidade por isso é da
esquerda e dos nossos governos de centro-esquerda. Há mais de 40 anos, eu e
outras pessoas – aqui no Rio Grande do Sul havia uma pessoa que lutava muito
por isso, o Daniel Herz – viemos alertando sobre o poder dos meios de
comunicação de massa no Brasil, sobre o monopólio da informação e a
cartelização das empresas. A esquerda nunca acreditou nisso.”
“A primeira eleição do Lula serviu para mascarar esse problema. Nós
metemos na cabeça que essa gente não formava mais opinião. Nos descuidamos e
ficamos assistindo à construção de um monopólio ideológico, destilando
conservadorismo de manhã, de tarde e de noite.
Aqui, não estou me referindo
apenas à Rede Globo, ao Globo, Estadão e Folha de São Paulo. Pior do que isso
talvez sejam as rádios evangélicas, as rádios AM e FM, despejando diariamente
xenofobia, racismo, machismo, homofobia e tudo o que é atrasado. Paralelamente
a isso, nós não construímos uma imprensa nossa.
E nem estou falando de uma
imprensa nossa para falar com a sociedade. Não construímos uma imprensa nossa
sequer para falar conosco mesmo. Os militantes do movimento sindical e dos
partidos se informam das teses de suas lideranças pela grande imprensa. Nem criamos
uma imprensa de massa, nem criamos uma imprensa própria.”
“Nos anos 50 e 60, nós tínhamos O Semanário, que circulava no Brasil
inteiro defendendo as teses do Petróleo é Nosso e da Petrobras, tínhamos Novos
Rumos, do Partido Comunista, a imprensa sindical e circulava também a Última
Hora. Havia, então, um esforço para garantir um mínimo de debate. Isso tudo
desapareceu e nada foi colocado no seu lugar.
Com a chegada de Lula ao governo,
os principais quadros do PT foram transferidos da burocracia partidária para a
burocracia estatal e o partido acabou se esfacelando. Os principais quadros do
movimento sindical também foram transferidos para os gabinetes da Esplanada”.
“A grande dificuldade que temos hoje para promover a defesa do governo
Dilma é que perdemos o diálogo com a massa. Eu conversava dias atrás com uma
ex-presidente da UNE e ela me dizia: ‘Professor, como é que eu posso entrar em
sala e chamar os estudantes para uma passeata quando o governo está reduzindo
as verbas para as bolsas de estudo’.
Há um paradoxo entre a nossa política e a
nossa base social. A Dilma não foi eleita pela base com a qual está governando.
Ela atende os interesses dessa base com a qual está governando e não tem o
apoio dela. Por outro lado, ela contraria os interesses da base progressista, a
qual nós temos dificuldade de mobilizar para defendê-la. Esse paradoxo precisa
ser enfrentado.”
“Não devemos nos iludir com os compromissos democráticos da direita”
“Ninguém deve se iludir com os compromissos democráticos e legalistas da
direita brasileira. É uma direita que sempre apelou para o golpe e para o
desvio democrático. Está aí a história dos anos 50 e 60 repleta de exemplos
disso. Ela não tem compromisso com a democracia. Seu único compromisso é com
seus interesses de classe. E, lamentavelmente, parece que a burguesia no Brasil
tem mais consciência de classe do que muitos setores proletários.”
“Há um segundo paradoxo, que é difícil explicar a não ser que você use
aparelhos ideológicos. Nós já sofremos, de fato, dois golpes nos últimos meses.
A direita perdeu as eleições, mas ganhou a política. Esta política econômica
que está sendo aplicada é a política da direita.
O segundo golpe foi a
implantação de uma nova forma de parlamentarismo, que vive de subtrair poderes
do Executivo. E há ainda um terceiro golpe em curso que consiste em refazer a
Constituição sem ter poder originário para tanto, retirando da Carta de 88
conquistas que levamos décadas para aprovar e consolidar”.
Sobre a construção de uma frente ampla, popular e democrática
“Diante deste cenário, precisamos articular a formação de uma frente
ampla, de uma frente popular que reúna os setores progressistas e democráticos
do País. Eu não estou falando de uma frente de esquerda, pois com isso
estaríamos nos encerrando em um casulo, voltando a ser ostra. Precisamos
retomar um discurso para a classe média, que perdemos em função dos desvios
éticos do PT.
Nós não estamos pagando o preço de erros de governo, mas sim dos
desvios éticos. Precisamos retomar um discurso que fale para os trabalhadores,
para os setores médios, para as forças progressistas, que não são
necessariamente de esquerda, falar com a empresa nacional que, neste momento,
está sendo destruída neste País.
Há uma tentativa de acabar com as principais
empresas brasileiras, detentoras de know how, não por uma questão moral, mas
para colocar no lugar delas empresas espanholas, chinesas e americanas.”
“Não estou pensando a constituição desta frente com objetivos imediatos
e de caráter eleitoral, mas sim na perspectiva da reconstituição das forças
progressistas. O ponto de partida para essas forças é construir uma barragem
para conter o avanço do pensamento e da ação da direita. Para isso, precisamos
voltar às ruas e voltar a debater com a população.
Na minha opinião, o modelo
no qual devemos nos inspirar não é o da Frente Ampla uruguaia. Esta tem algo
que nós não temos, partidos. É uma frente de partidos. Nós temos que construir
uma frente de movimentos, da sociedade, preparada para receber os partidos e
oferecer a eles um novo discurso, uma nova alternativa. Mas não trabalho com a
ideia de um modelo pronto e acabado. O que vai decidir isso, como sempre, é o
processo histórico”.
A ameaça do impeachment
“Irrita-me o fato de nossas forças estarem acuadas por fantasmas. O
nosso governo está acuado, enquanto ele tem o que dizer. Em face disso, como
não há espaço vazio, a direita vem avançando e preparando ideologicamente a
ideia do impeachment. Precisamos por isso a nu e exigir que a direita assuma
publicamente se é golpista ou não. O senhor Fernando Henrique Cardoso tem que
ser chamado às falas.
O PSDB e o PMDB têm que ser questionados a assumir se são
golpistas ou não. Creio que a melhor forma de enfrentar a ameaça do
impeachment, seja ela pequena ou grande, é dizer que ela existe. Dizer que ela
não existe é perigoso. E o objetivo principal nem é mais a Dilma, é o Lula.
Querem liquidar o Lula e o PT. Não se iludam. Se isso acontecer, não atingirá
só o PT, mas toda a esquerda brasileira. Temos responsabilidades distintas pelo
que está acontecendo, mas estamos todos no mesmo barco”.
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