Especialistas brasileiros comentam artigo de Paul Krugman, que critica
estratégia americana
Paul Krugman, professor de Princeton
e prêmio Nobel de 2008, em recente artigo publicado no New York Times, fez críticas duras à política econômica adotada nos Estados Unidos para solucionar a
crise de 2008.
Os bancos foram logo socorridos, na
promessa de que a saúde deles garantiria a do país também, mas só agora a
recuperação chega.
Para Krugman, se a ajuda tivesse sido
direcionada às famílias endividadas e não aos bancos, a solução do país já
teria surgido há tempo.
Economistas brasileiros repercutem o
conteúdo do artigo e apontam as consequências e a importância tanto da ajuda
aos bancos quanto de um suposto socorro aos americanos endividados.
No artigo intitulado, na tradução, Primavera para os banqueiros, Krugman alerta que
"desde que começou a crise financeira, a política econômica tem sido um
fracasso lamentável".
O emprego demorou mais de seis
anos para voltar aos níveis anteriores à crise - anos, inclusive, acrescenta,
que deveriam ter contado com milhões de novos postos de trabalho apenas para
seguir o ritmo de crescimento da população -, e o desemprego de longa
duração continua quatro vezes maior que em 2007.
Em meio aos fatos que comprovam a
afirmação de Krugman, o Nobel de Economia destaca a mensagem do livro publicado por
Timothy Geithner, secretário do Tesouro durante quatro dos seis anos de
recuperação, "Stress Test" (Prova de Resistência).
"[Ele] basicamente pensa que fez um
trabalho extraordinário", alfineta Krugman. O erro, na opinião do
economista, é claro: a influência do slogan "Salvar aos banqueiros é
salvar o mundo" na política econômica da Europa e dos Estados Unidos, com
a promessa de oferecer a prosperidade em seguida.
O problema, alerta Krugman, é que a
tal prosperidade não veio e o que poderia solucionar o problema foi
ignorado. "Graças ao restabelecimento do sistema financeiro, o
resgate de Wall Street não terminou por custar um montão de dinheiro dos
contribuintes”.
“Os bancos puderam devolver os
empréstimos e o governo conseguiu vender proveitosamente sua participação
no capital. Mas onde está a recuperação da economia real? Onde estão os
postos de trabalho? Pelo visto, salvar Wall Street não foi o suficiente nem de
longe. Por que?", questiona.
A resposta é que Obama poderia
ter aliviado a dívida das famílias, herança da bolha imobiliária, que tem sido
um grande obstáculo para a economia, mas uma persistente oposição de
Geithner ao cancelamento da dívida hipotecária teria sido um obstáculo.
Geithner, inclusive, fala em seu
livro que a recuperação das famílias não poderia ter feito muito pela
economia. "No final, a história da política econômica, desde 2008,
tem sido de um peso e duas medidas.
A irresponsabilidade dos banqueiros
não foi considerada, só a das famílias". Não ajudar as famílias não só foi
injusto, como também foi uma má decisão econômica, critica.
João Sicsu, professor do Instituto de
Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, reforça que, no momento da
explosão da crise, a política correta deveria ter sido socorrer as famílias
para que pagassem suas dívidas junto aos bancos, o que valeria para outras
dívidas também.
"O resultado social dessa
política [de privilegiar o socorro aos bancos] é que os grandes não foram
afetados negativamente, foram compensados pela política de socorro e as
famílias perderam suas casas, ficaram desempregadas, inadimplentes."
Caso o socorro inicial fosse às
famílias, com uma redução na taxa de juros da dívida ou subsídio para quitação
deles, por exemplo, acredita Sicsu, a recessão não teria sido uma realidade.
O movimento contrário acabou
revelando seu "efeito multiplicador negativo", como explica o
professor. Primeiro gera a inadimplência, em seguida os bancos cortam o
crédito, a economia fica paralisada e vem o desemprego porque não tem produção
nem consumo.
"É uma questão de opção
política, ideológica, na decisão de formulação de política econômica, de
manter os bancos saudáveis e dizer para as famílias se elas deixaram de
pagar uma dívida o 'problema é delas', pois o empréstimo é um risco que elas
assumiram.
Isso faz parte da ideia de que a
sociedade é bastante competitiva e corre riscos, o que vale para as famílias,
mas não se aplica aos grandes, que têm que ser protegidos porque são
necessários", esclarece Sicsu.
O adoção do socorro aos bancos, no
entanto, tem a sua razão, pondera, já que quando eles quebram toda a economia
quebra junto.
A ideia de ajudar as famílias,
continua o professor, agride muito a visão competitiva de liberalismo
econômico, que guiou as decisões tomadas não só nos Estados Unidos como também
na Europa:
"Diante das dificuldades, o
socorro foi aos bancos, não aos trabalhadores." Nessa perspectiva, se um
trabalhador se endivida, "o problema é dele", partindo de uma visão
darwinista de seleção dos mais fracos e dos mais fortes no mercado
financeiro.
Sicsu destacou que o Brasil, por
exemplo, adotou medidas acertadas após a crise. O Banco do Brasil e a
Caixa Econômica Federal ampliaram o crédito e reduziram a taxa de juros, o
BNDES ampliou o crédito para investimentos, houve ampliação do Bolsa Família,
no seu valor e na cobertura e o o salário mínimo foi aumentado.
O resultado é que "tivemos uma
recessão basicamente nula, de 0,3%", enquanto a de países como Chile,
México e até a Rússia caíram entre 5% e 6%, e alguns países tiveram desemprego
de dois dígitos.
"Você tem que fazer um movimento
contra cíclico, com socorro ao consumo, ao crédito, ao investimento, ao salário
mínimo, previdência social.
Aqui no Brasil, tivemos uma saída que
deveria servir de exemplo para o mundo. O crescimento mais baixo que o país
registrou nos anos seguintes foi por outros fatores", comentou Sicsu.
Uma recuperação dos Estados Unidos
entre 4% e 6%, no entanto, não deve ser aguardada, devido ao tamanho da
economia do país, dono de 5% do PIB do planeta. "Uma economia do porte da
americana não tem espaço para crescer tanto."
Samy Dana, professor de Economia na
Fundação Getúlio Vargas São Paulo (FGV-SP), por sua vez, discorda da análise de
Krugman.
Ele ressalta que não vê uma forma de endereçar
o problema. "Se você tem problemas no sistema financeiro, você causa
prejuízos enormes a economia. Eu não acho que o governo tem uma
preocupação de manter o sistema financeiro de forma estável. Acho que a
ação do governo americano foi acertada do ponto de vista de não criar um caos
na economia."
Vander Lucas, professor do
Departamento de Economia da UnB, também ressalta a importância do socorro aos
bancos para garantir a saúde da economia. Ele destaca que todos os governos
acabam socorrendo suas instituições financeiras porque, se deixam eles
quebrarem, os impactos sociais são muito mais fortes.
"Acontece que a gente nunca viu
o setor financeiro quebrar, porque a gente sempre viu o setor financeiro ser
socorrido. Os bancos europeus foram socorridos. No caso específico
dos Estados Unidos, os bancos em um ano começaram a apresentar lucros e o
governo americano agora que dá sinais que sai da crise. O setor financeiro
tem um valor agregado. Socorrer as famílias, não sei se isso dinamizaria a
família americana", acrescentou Vander Lucas.
Claudio Lucinda, professor do Departamento de Economia da
Universidade de São Paulo, destaca que não se pode perder de vista que os
bancos tem uma posição importante no funcionamento da economia e que a
quebra do sistema bancário tem repercussões muito fortes. Isso não significa,
porém, ressalta, que os bancos têm carta branca para receber ajuda do governo.
"Sempre existe um julgamento do
governo se a instituição tem ou não que ser salva”.
“Para o setor privado como um todo, é
mais saudável o sistema bancário funcionando a contento. Não sei se uma ajuda
às famílias seria suficiente para substituir o auxílio aos bancos, porque tem
uma catedral de derivativos montada em cima dessas hipotecas. Mas mal, de fato,
não ia fazer", finalizou Cláudio Lucinda
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