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sábado, 18 de junho de 2011

Uma noite no Correio da Manhã


Não lembro bem quando, mas foi durante o recrudescimento da ditadura militar, época da minha passagem meteórica pela redação do Correio da Manhã.


Eram tempos de censura e violência. Eu tinha terminado minha matéria sobre um congresso de Ciências Sociais que estava se realizando no Rio e ia voltar pra casa quando meu pai, Hélio Ferreira Rocha, editor de esportes do jornal, veio dizer que a Tribuna de Imprensa ia ser fechada pela polícia.

 E repórteres e editores seguiriam em fila indiana para as masmorras do DOPS.

O pessoal que estava no Correio àquela hora da noite, próximo do fechamento, resolveu ir até lá, dar uma força. Fomos em grupos, a pé da Avenida Gomes Freire para a Rua da Relação.

Subimos as escadas, eu repórter já um pouco rodado, depois de algum tempo na editoria de polícia do Globo estava meio deslumbrado por freqüentar uma redação do Correio, onde trabalhava o que havia de melhor no jornalismo do Rio.

Apesar dos novos donos – Niomar Muniz Sodré havia arrendado o jornal para um grupo de empreiteiros – ainda se acreditava em possíveis momentos de uma combatividade que, na verdade, já estava arrefecida.

A tradição de combatividade, aliás, vinha dos tempos da fundação, quando o gaúcho Edmundo Bittencourt, no ano de 1901, resolveu montar o Correio.

O jornal já nascia com uma proposta radical: "O Correio da Manhã não tem nem terá jamais ligação alguma com partidos políticos. É uma folha livre que vai se consagrar com todo ardor e independência à causa da Justiça, da lavoura e do comércio – isto é, a defesa dos direitos do povo, do seu bem estar e das suas liberdades."

Se estivesse nas bancas o jornal teria completado 110 anos no dia 15 de junho deste ano.
Em 1964 o Correio, que chegara a apoiar ardentemente a posse do vice-presidente João Goulart, voltou-se contra o gaúcho no episódio das chamadas “reformas de base”.

O jornal era até a favor das reformas, mas contra a maneira como estavam propostas. Dois editoriais, que a principio pareceram sintonizados com o golpismo, “Basta” e “Fora” apareceram nas vésperas da tomada do poder pelos militares. Dias depois, no entanto, artigos do jornalista Carlos Heitor Cony começaram a fustigar a ditadura.

O jornal passou para a oposição e começou a ser perseguido já na época em que Castelo Branco era o ditador de plantão. Os militares – a censura ainda não estava definitivamente implantada – optaram por asfixiar o jornal, reunindo os anunciantes de peso, através ou não das agências de publicidade, e proibindo anúncios no Correio da Manhã.

O jornal tentou achar uma saída, investindo nos classificados. A explosão de uma bomba plantada pelos militares na loja do Correio no Edifício Marques do Rival, no centro do Rio foi um sinalizador de que a opção seria barrada.

Na noite em que fomos nos solidarizar com os companheiros da Tribuna de Imprensa o jornal já estava nas mãos de um grupo de que não entendia de jornal.

 A redação tinha inchado até o nível do insuportável. Lembro que, quase sempre, ficava com as anotações na mão, esperando vaga numa das máquinas de escrever.
O editor de Política, Francisco Pedro do Couto, acreditava no meu trabalho, mas era quase impossível apurar alguma coisa no Rio de Janeiro com a censura marcando em cima.

Em geral ouvíamos juristas sobre a nova legislação que advogados & assemelhados, ligados à ditadura, iam impondo aos brasileiros, em geral ao arrepio da Constituição de 1946.
Era um terreno extremamente árido e Couto sempre recomendava que após a frase do entrevistado era necessário travessão “disse fulano de tal”. Ou “Segundo Beltrano” e aí sim vinha a notícia ou a opinião.

Precisava ficar bem claro – porque os censores, em geral eram policiais que não se relacionavam muito bem com o texto escrito – que o jornal e o jornalista estavam apenas repetindo o que dissera o entrevistado.

Deixei o jornal por um emprego mais bem remunerado e sem o estresse de voltar para a redação sem matéria. No fundo não foi exatamente o dinheiro que pesou na decisão. A impotência de trabalhar quase sem pauta, a dificuldade de achar alguém que quisesse dar entrevista, fizeram com que eu virasse as costas ao Correio da Manhã, jornal onde meu pai trabalhou a vida inteira.

Ele se dizia um “revolucionário” e apoiou a ditadura para se arrepender mais tarde. Mas naquela noite, solidários com os companheiros da Tribuna, nós dois estávamos perfeitamente sintonizados.

As horas se passaram, a madrugada chegou e a Tribuna não foi invadida. Jornal fechado, fomos embora. E ainda me lembro da frase de um repórter que não estava acreditando naquele desfecho: “Bom, pessoal, até o nosso próximo emprego juntos...”

Uma ponta de orgulho ficou. Afinal trabalhei na mesma redação onde brilhavam nomes como Otto Maria Carpeaux, Carlos Heitor Cony, José Louzeiro, José Condé, Antônio Muniz Viana, José Lino Grunewald, Paulo Francis, Aluísio Branco, Fuad Atala e outros mais que não lembro agora.

Texto: José Attico

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