Um estilo jornalístico viciado e anacrônico é o principal responsável pelas dificuldades do país em trilhar novas experiências.
Em um Congresso de Secretários do Planejamento, cobrei dos secretários presentes a falta de empreendedorismo público, de novas experiências de gestão.
A resposta foi simples.
Na fase de implantação de novos projetos não há como não aparecerem problemas. Afinal, trata-se da implantação. Qualquer problema é superestimado pela mídia, utilizado para torpedear o projeto. Alguns projetos acabam morrendo no caminho por esta falta de compreensão. Depois de implantados, os projetos vitoriosos não merecem o reconhecimento
.
O gestor público corre um enorme risco propondo o novo, sem nenhuma possibilidade de recompensa posterior: o reconhecimento público.
Tome-se o caso do ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio). Em 2009, com sua universalização, começando pela unificação dos vestibulares das universidades federais, mudou a face dos vestibulares no país, democratizando o acesso de todos os estudantes a vestibulares nas melhores faculdades.
Ontem foram completadas as provas, com 6,2 milhões de inscritos, um caso de sucesso mundial. A não ser alguns episódios isolados de cola, não houve um problema sequer relatado por uma mídia capaz de superdimensionar os menores problemas.
O ENEM tornou-se uma instituição nacional. Junto com a expansão das novas universidades públicas e privadas, mudou a cara do ensino superior. Onde estão os velhíssimos capitães de ensino, que dominavam politicamente o setor e, com suas intermináveis páginas de publicidade, exerciam um poder absurdo sobre a mídia? Onde Di Gênio e outros símbolos de um velho modelo carcomido? Foram engolfados pela modernização e pela entrada de novos grupos no mercado.
No entanto, esse enorme avanço quase foi liquidado por uma campanha implacável da mídia, onde se misturaram má fé, incompreensão e jogadas políticas de baixo nível.
Problemas de vazamento de uma prova - em uma gráfica que tem a Folha como sócia -, problemas pontuais com um ou outro simulado, afetando proporções ínfimas dos inscritos, foram superdimensionados, abriu-se todo o espaço para um procurador exibicionista, tudo com a intenção de liquidar o programa.
Não se pensou nos benefícios para o país, para os alunos, nas oportunidades que se abriam com a democratização do acesso às vagas. A ideia fixa era impedir que seu eventual sucesso pudesse ser capitalizado pelo governo que o bancou.
A campanha implacável dos jornais
Logo após a notícia do vazamento da prova na gráfica Plural, em 19 de outubro de 2009, o Estadão não deixou barato: "Os problemas em cadeia gerados pelo vazamento da prova do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), frustrando estudantes e desorganizando os vestibulares das universidades, são mais uma amostra do que pode ocorrer quando os interesses eleiçoeiros são postos à frente da racionalidade administrativa nos órgãos técnicos do Estado”. Se tivesse prevalecido a opinião do jornal, teria sido imediatamente interrompida a implantação do ENEM.
Houve inúmeras tentativas de atribuir a responsabilidade do vazamento ao INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas) e com isso politizar ainda mais a discussão. O jogo terminou apenas em agosto de 2011 quando um desembargador do TRF-3 ordenou a exclusão da Plural do processo, sustentando que ela não cumprira o que estava definido no edital.
Custou a Haddad a inimizade eterna da Folha.
O procurador exibicionista

Com os holofotes sobre ele, Costa Filho se vangloriava de ter-se tornado um especialista em melar vestibulares. “Sou fundamentalmente um professor. É até por isso que falo assim com esse tom e sempre gesticulando muito”, observava aos jornalistas que o procuravam.
O procurador constatou que o professor de um cursinho de Fortaleza - com 639 estudantes - vazou uma das provas do simulado. Com base nisso, pretendeu anular o ENEM em todo o país. O MEC (Ministério da Educação) respondeu prontamente sobre a maneira de contornar o problema sem prejudicar os demais inscritos. Mas a cobertura incessante da mídia tentava acabar com o programa.
O Procurador tornou-se celebridade instantânea, a ponto de conceder quatro entrevistas simultâneas, com um celular em cada orelha e dois telefones fixos ligados na sua mesa.
O interesse de milhões de estudantes, nada disso importava à mídia. Tratava-se agora de permitir ao Procurador se pavonear, desde que os objetivos políticos fossem atingidos.
A famas de exibicionista já o acompanhava desde 1991, quando tentou vetar um exame de avaliação dos professores do Estado pelo então governador Ciro Gomes. “Eu me lembro do Ciro me esculhambando e me chamando de exibicionista” vangloriava-se ele a repórteres. “Exibicionista, no caso, é o que desagrada quem está no poder para fazer justiça”, alardeava o pavão.
Transformado em herói por uma imprensa sem discernimento, dali por diante Costa Filho passou a atuar anualmente, valendo-se do poder de um cargo público para tentar derrubar a prova. Só parou quando a AGU (Advocacia Geral da União) ameaçou tomar providências legais contra ele.
Nos exames de ontem, o ENEM se consagra definitivamente. Foi o ponto central da cobertura da mídia, com portais montando projetos especiais para acompanhamento da prova. Nenhuma autocrítica, nenhum reconhecimento aos autores de uma política pública excepcional.
A prova de ontem chegou ao requinte de montar salas especiais com provas especiais e acompanhamento de especialistas para alunos com deficiência intelectual. Quem sabe disso? Apenas parentes e amigos de famílias beneficiadas por esse aprimoramento do ENEM.
O país está se civilizando. Mas as manchetes são aliadas da barbárie.
Luis Nassif em seu blog SEG, 10/11/2014 - 10:43
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