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quarta-feira, 9 de abril de 2014

José Attico: A mídia corporativa e o Golpe de 64


Foto da repressão no Centro do Rio correu o mundo
Pois é.  Pode ser surpreendente, mas a mídia corporativa, em geral, exorcizou, nos últimos dias, muitos dos fantasmas do Golpe de 1964.

Matérias em profusão foram publicadas em jornais, revistas eTVs, mostrando a verdadeira face da ditadura militar.

O respeitável público, principalmente quem não vivenciou os anos de chumbo, pôde tomar conhecimento de mais detalhes da tortura, inclusive de crianças, dos assassinatos, dos desaparecimentos, de corpos, cremados em fornos de usinas de açúcar, ou simplesmente atirados no mar. Ou em rios no interior do Brasil.

A posição da mídia corporativa - surpreendente, é bom repetir - decepou na raiz algumas nascentes tentativas de fazer de torturadores & assemelhados heróis da nação, combatentes contra uma tentativa de tomada do poder pelos comunistas de plantão.

Para quem acompanhou de perto os momentos que antecederam o Golpe canhestro de meia dúzia de militares contra um governo fragilizado - golpe que acabou dando certo - soa patético que alguém, com um mínimo de discernimento, pudesse acreditar que comunistas e simpatizantes tivessem condições de assaltar o poder nos idos de 1964.

(É bom lembrar que uma tentativa, também canhestra, feita, nos anos 30, acabou muito mal. Os participantes da chamada Intentona Comunista, que começou nos quartéis do exército na Praia Vermelho, zona sul do Rio de Janeiro, foram parar rapidamente nos porões da ditadura Vargas).

Nos anos 60, no entanto, vivíamos a era de Guerra Fria, um mundo permanentemente em perigo de extinção, irremediavelmente dividido entre EUA e União Soviética. Ambos com armas atômicas com capacidade de destruir o mundo em questão de segundo.

Eram tempos em que amestrados militares brasileiros seguiam à risca o proposto nas apostilas do Departamento de Estado norte-americano.

No auge do delírio a aeronáutica recebia planos de invasão da península da Criméia - reincorporada recentemente ao território russo. O comando, é claro, estaria a cargo dos pilotos norte-americanos.

Para a ditadura até, mesmos democratas empedernidos, como o deputado Ulisses Guimarães, para ficar só num exemplo, eram considerados esquerdistas perigosos e tinham seus passos monitorados pelas organizações repressivas que surgiram do nada naqueles anos.  Os SNIs e Cenimares da vida.

Gente um pouco mais à esquerda (ou mesmo liberais sem maiores compromissos que apenas rejeitavam a tutela militar) sofria todo o tipo de perseguição.

Desde a perda do emprego - público ou mesmo em empresas privadas - passando por constrangimentos e prisões sem cabimento, até a tortura e morte em locais que só agora, 50 anos depois, tornam-se conhecidos do homem comum.

No embalo dos exorcismos cometidos nos últimos dias pela mídia corporativa, uma apresentadora do SBT, que pedia a volta dos militares e o restabelecimento da ditadura, foi afastada da bancada por seus patrões. Nesse caso a moça em questão estava apenas em busca de seus 15 minutos de fama.

(Emissoras de TV, ávidas por subir audiência, muitas vezes não conseguem entender que pessoas aptas a produzir belas receitas de bolo em programas matinais, nem sempre têm condições de opinar sobre política, economia, história, vida social).

A reação da mídia corporativa foi importante porque além de mostrar à segmentos mais jovens da população as mazelas e efeitos de uma ditadura militar, matou no nascedouro tentativas de promover passeatas e manifestações exaltando os anos de chumbo.

Nesse capítulo um diálogo ocorrido em 1968, entre Arthur da Costa e Silva, general de plantão na presidência e seu vice-presidente, o civil Pedro Aleixo é elucidativo. Segundo o relato Aleixo, conhecedor dos termos do AI-5 (Ato Institucional nº 5) tentou ponderar com o general.

Pediu que ele simplesmente não pusesse sua assinatura no documento que suprimia todos os direitos do cidadão, fechava o Congresso, instituía a censura dos meios de comunicação, permitia a prisão dos inimigos do regime sob quaisquer pretextos e, por tabela, escancarava as portas à prática da tortura e aos assassinatos.

Pessoas próximas contam que Costa e Silva disse a seu interlocutor que se não assinasse o ato seria deposto pelos militares da chamada “linha dura”. Mas ponderou que esse grupo de generais, que na prática estavam tomando o poder - um golpe dentro do golpe - eram pessoas respeitáveis que usariam “as novas prerrogativas” com moderação.

“O problema não são os generais”, devolveu Pedro Aleixo, “o problema é o guarda da esquina”.

Tinha razão. Embora boa parte dos generais tivessem aderido alegremente aos assassinatos, torturas e outras práticas - desmentindo o que imaginava Costa e Silva - o guarda da esquina (leia-se policiais civis e militares, jovens oficiais das três forças armadas e criminosos conhecidos que se agregaram ao Golpe, foram os “operadores” do sistema).

A eles coube em geral o trabalho sujo: tortura, assassinatos, desaparecimento de corpos.

Talvez as populações de favelas que vivem sob o domínio do tráfico conheçam experiências próximas ao que ocorreu durante a ditadura militar.

O risco de uma palavra mal colocada num contexto errado, uma prática que desagradasse a um desafeto no ambiente de trabalho, podiam acabar em prisão, tortura e assassinato de alguém, às vezes até mal informado sobre o que estava acontecendo no país.

A recente posição da mídia corporativa é surpreendente pelo volume do material publicado nos últimos dias e em alguns casos até pelo aprofundamento nos porões do regime.

A tortura de crianças, tema geralmente evitado por jornais e TVs, foi lembrada mais de uma vez.

O número de matérias provocou até uma nota das forças armadas prometendo investigar comportamentos acima dos limites chamados de toleráveis.

Não vai acontecer, mas a reação da mídia corporativa acabou sendo bastante positiva.

Texto: José Attico

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