Lava Jato chega aos dois anos sob controvérsia
PUBLICIDADE
"É evidente que a soltura dos acusados vai gerar sensação de impunidade. Estamos tratando de caso rumoroso. A lentidão da Justiça faz com que a sociedade aviste as prisões preventivas como instrumento de punição, não de garantia."
Ao votar, em abril de 2015, pelo fim da prisão preventiva de Ricardo Pessoa, dono da construtora UTC e um dos réus da Lava Jato, o ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes abordou um dos pontos queadvogados de defesa e alguns juristas consideram mais problemáticos na operação até aqui.
Para estes, o juiz Sergio Moro e o Ministério Público Federal têm usado as prisões preventivas para forçar os réus a aceitar a delação premiada.
"O problema não é a delação, mas o modo como tem sido obtida. Para sair da preventiva, que ainda não foi julgada, é preciso dizer algo. Mais: é preciso uma confissão que agrade a hipótese do investigador. É uma falha que gera nulidade absoluta do processo", afirma Pedro Estevam Serrano, professor de direito constitucional da PUC-SP e advogado da Odebrecht na área cível.
Para as defesas, mais questionável que a determinação das prisões preventivas em si, geralmente justificadas por Moro com base na continuidade dos crimes de corrupção, é a estratégia para lidar com pedidos de habeas corpus.
O caso de Alexandrino de Alencar, ex-executivo da Odebrecht, ilustra bem essa situação. Cumprindo prisão preventiva, recorreu ao Tribunal Regional Federal.
Antes que a corte examinasse seu habeas corpus, Moro já havia feito uma segunda determinação de prisão preventiva, razão pela qual o tribunal considerou o recurso de Alexandrino prejudicado. Seria preciso refazer o caminho.
Outro habeas corpus, então, foi submetido ao Superior Tribunal de Justiça; o pedido foi negado pelo ministro relator, em decisão individual, e, posteriormente, em julgamento colegiado.
Apenas ao ser examinado pelo ministro Teori Zavascki, no STF, o assunto teve decisão diversa. "Realmente, não há razão lógica e jurídica para obrigar a defesa a renovar o pedido de liberdade perante as instâncias subsequentes", sentenciou Zavascki.
Para um advogado que atua na Lava Jato, esse tipo de estratégia é perversa. "Você está para conseguir e vem nova prisão a partir de simulacros de fatos novos."
"A Lava Jato já é um enunciado performativo. Virou uma marca. Ou uma série de TV. Está se criando um clima com o objetivo de constranger qualquer tribunal superior que venha a reconhecer alguma irregularidade ou nulidade nos processos em favor dos acusados", afirma Lenio Streck, advogado e membro da Academia Brasileira de Direito Constitucional.
NULIDADES
A legalidade de alguns episódios da operação deverá ser questionada nos tribunais superiores para pedir a nulidade de processos. Recentemente, a defesa de Marcelo Odebrecht acusou a força-tarefa responsável pela operação de ter manipulado transcrição de depoimento do ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa sobre o empresário.
Em vídeo do depoimento, Costa afirma: "Nem põe o nome dele aí porque com ele não, ele não participava disso". Para a defesa de Odebrecht, se trechos assim integrassem o processo, seria mais difícil manter sua prisão.
Na opinião do advogado Alberto Toron, que defendeu o dono da UTC, Ricardo Pessoa, a denúncia de Odebrecht "é muito grave". "Fica clara a parcialidade do juiz", diz.
Advogados questionam outros dois pontos. Um deles é a forma como o Ministério Público obteve informações de contas offshore ligadas à Odebrecht na Suíça. No final de janeiro, um tribunal daquele país considerou o envio dos dados irregular. A decisão, no entanto, rejeitou decretar a nulidade das provas.
O segundo problema, de natureza similar, está no modo como a Polícia Federal estabeleceu um canal direto com a empresa canadense Research in Motion, fabricante dos aparelhos BlackBerry, para cumprir ordens de quebra de sigilo de mensagens.
"São provas obtidas por via ilícita, sem respeitar os trâmites legais", afirma Serrano.
As polêmicas Do que se queixam os advogados | Outro lado O que diz quem atua nas investigações |
---|---|
Prisões preventivas têm sido usadas paracoagir réus a se tornarem delatores e forçar confissões | Prisões são necessárias para evitar interferência nas investigações e se justificam pela solidez dos indícios e provas encontradas |
Moro tem feito novos pedidos de prisãopara dificultar a libertação de suspeitos já presos | Moro diz apontar novos indícios e provas, que os presos podem contestar em instâncias superiores |
Houve manipulação de depoimentos, como não inclusão de trecho em que Paulo Roberto Costa diz que Marcelo Odebrecht não se envolvia diretamente com propina; lobista Fernando Moura deu diferentes versões | Trecho citado por Costa sobre Marcelo é “irrelevante”, e depoimentos são sempre resumidos. No caso de Dirceu, o Ministério Público diz que parte dos depoimentos do lobista não foram gravados, mas que isso não é obrigatório |
Políticos com foro privilegiado, como Eduardo Cunha, estão sendo investigados na primeira instância | Moro diz que remeteu esses casos à Procuradoria e ao Supremo sempre que apareceram indícios contra autoridades que têm foro |
Há dificuldade em obter acesso às provas usadas no processo | O STF tem negado pedidos sempre que eles envolvem acordos de delação sob sigilo |
O Ministério Público Federal obteveinformações de contas na Suíça sem respeitar o trâmite correto, o que foi reconhecido por corte local | Provas podem ser usadas, segundo a mesma decisão; erro, se houve, foi do MP suíço |
A interceptação de aparelhos celulares Blackberry, fabricados por uma empresa canadense, foi ilegal porque não houve pedido de cooperação internacional | Moro disse que as interceptações, autorizadas por ele, não ferem nenhum tratado internacional porque não havia alvos de fora do país entre os investigados |
Há vazamentos seletivos de documentos e depoimentos com a intenção de prejudicar pessoas | Para Moro, confunde-se vazamento com publicidade do processo. A Procuradoria nega repassar informações, mas Janot já apontou a existência de “canal de vazamento” da Lava Jato para poderosos |
Moro mandou prender a cunhada do ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto,Marice Correa Lima, com base em vídeo no qual quem aparecia era, na verdade, sua irmã, Giselda, mulher do petista | Após imagens da irmã de Marice serem divulgadas na imprensa, Moro recuou e autorizou a soltura da mulher |
As denúncias estão sendo propostas apenas com base em acusações vazias e sem prova feitas por delatores | Membros da força-tarefa da Lava Jato negam e dizem que denúncias têm amparo em provas materiais |
O doleiro Alberto Youssef, um dos principais delatores do caso, já quebrou acordo firmado anteriormente, no caso Banestado, e por isso sua colaboração deve ser anulada | O STF rejeitou pedido para anular o acordo do doleiro argumentando que a homologação valida apenas a delação, sem confirmar o teor das declarações |
Há críticas quanto ao fato de o caso correr em Curitiba, na comarca de Moro. Alguns dizem que as apurações da Petrobras deveriam ir para o Rio, sede da estatal | Moro diz que Youssef atuava em Curitiba. Até agora, o STF aprovou o envio do caso Eletrobras para o Rio e, para SP, remeteu suspeitas contra o Ministério do Planejamento |
Nenhum comentário:
Postar um comentário