Talvez influenciado pelo fato de
estar sendo entrevistado por uma publicação estrangeira - em certos países e
organismos multilaterais se conhece bem os avanços alcançados pelo Brasil nos
últimos anos - o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso afirmou, para a
revista alemãKapital, na semana passada, que a presidente Dilma
Rousseff é "honrada", e que o ex-presidente Lula é um líder
"popular" cuja prisão, caso viesse a acontecer, poderia dividir o
país.
Foi o que bastou para que fosse
imediatamente execrado pela parcela da opinião pública que ocupa, destilando
bílis, os sites e portais mais reacionários - para dizer o mínimo - da internet
brasileira.
O que importa, não é saber - embora
torçamos para que isso tenha ocorrido - se FHC foi sincero em suas
considerações sobre a presidente Dilma, e, sim, prestar atenção à verdadeira
avalanche de estupidez que suscitaram suas palavras.
"Doido", "senil",
"demente", "gagá", "caduco", "bipolar"
- odioso, preconceituoso e covarde, o fascismo despreza e confunde a idade com
fraqueza e costuma ser particularmente impiedoso com os mais velhos, as
mulheres e as crianças - "doente de Alzheimer", e o já tradicional
apelo do "morre de uma vez" foram alguns dos epítetos lançados pela
malta nos grandes portais da internet, contra o ex-presidente da República.
Outros o acusaram de
"pateta", "traidor", "idiota",
"maconheiro", "THC"- lembrando sua defesa da
descriminalização da Cannabis - e de "cara de pau",
"sem-vergonha", e ladrão - acusando-o de estar "roubando
também", ou de já ter se encontrado secretamente com Lula para conchavos.
E os mais "espertos", a
serviço da nefasta "via alternativa", que espreita, como hiena, nos
meandros da história, os países que se rendem aos que fomentam o caos e a
cizânia, preferiram, como sempre, aproveitar a oportunidade para intensificar
os ataques contra a democracia - "político é tudo lixo",
"farinha do mesmo saco"; defender a violência: "é preciso
amarrar a boca do saco", "matar todo mundo a paulada" e
"jogar o saco no rio"; e propagar a teoria - esse é "esquerda
caviar", "comunista enrustido" - da conspiração, segundo a qual
PT e PSDB representariam, na verdade, duas faces da mesma moeda, da "tática
da tesoura stalinista", de disfarçar parte da esquerda como
direita; tomariam parte da estratégia de conquista da hegemonia,
por meios pacíficos e "gramscianos", do poder, e atuariam
seguindo os padrões do "marxismo cultural", como fantasiam, e pregam
certas correntes da imbecilidade neo-direitista antinacional.
Tudo isso coroado pelos pedidos de
instalação no país de nova ditadura - agora com caráter
"policial-jurídico-militar" - e os indefectíveis slogans da campanha
- que já está no ar há muito tempo - de BOLSONARO 2018 para a Presidência da
República.
Na página do ex-capitão do Exército,
no Facebook, por exemplo - que, significativamente, já tem mais de 3 vezes o
número de curtidas (1.5 milhão contra 450.000) que a página oficial de FHC, o
ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso aparece como defensor das drogas
ao lado do ex-presidente uruguaio José Mujica, em contraponto ao próprio
Deputado Bolsonaro, que se destaca, convenientemente, à direita, ao lado da
figura do Presidente da Indonésia - país que pune o tráfico com a pena de
morte - Joko Vidodo (que é, na verdade, um fabricante e exportador
de móveis) em uniforme militar.
Enquanto o setor de óleo e gás - de
alta tecnologia - corre o risco de desmantelamento, a indústria naval é
destruída, com o fechamento de estaleiros, a indústria de defesa se
desarticula, com seus principais projetos sendo ameaçados, e as maiores
empresas do Brasil são arrebentadas, milhares de seus fornecedores quebram, e
se pretende impor a elas multas absurdas de bilhões de reais, para que não
sobre pedra sobre pedra, eliminando-se milhares de empregos, brasileiros que
fazem questão de ignorar que ainda somos - apesar de tudo - a oitava economia
do mundo e o terceiro maior credor individual externo dos Estados Unidos, e que
o nosso desemprego é de um terço de países como a Espanha, comemoram em grupos
como o Direitas Já, Direita Brasil, Direita Conservadora, Direita Realista,
Direita Política, Tradutores de Direita, Direita Forte, Rede da Direita
Nacional, Canal de Direita, Professores de Direita, Direita Atual, Direita
Ocidental, Extrema Direita Nacionalista Brasileira, Linhas Direitas, Jovens de
Direita, Militantes de Direita, Garotas Direitas, Sou de Direita,
Extrema-Direita, Direita Unida, Direita Única, Direita Blindada, Direita
Conservadora, Direita Brasil, Rua Direita, Direita Nacional Brasileira, Vem pra
Direita Brasil, Skins Direitista (sic) e dezenas de outras comunidades menores,
os problemas do país, torcendo, muitas vezes, abertamente, pela derrocada da
Nação, a quebra do Estado de Direito e a inviabilização da economia e da
governabilidade.
É principalmente quado o tufão se
aproxima, que é preciso escutar a voz da razão.
A reação - nos dois sentidos - contra
as declarações de Fernando Henrique Cardoso na internet é apenas a ponta do
iceberg de um quadro claro, para o qual os setores mais influentes da sociedade
brasileira ainda não acordaram - ou só estão começando - talvez tardiamente
- a atentar.
O PSDB corre grandes riscos se não
souber corrigir o rumo de sua nau em meio à tempestade que ele mesmo ajudou a
conjurar, e mesmo com o risco de perder o mandato, já existe quem esteja, como
a Senadora Lúcia Vânia, de Goiás, tomando a decisão de abandonar o barco no
meio do caminho, alegando não acreditar em uma "oposição movida a
ódio", e fazendo apelo a mais "equilíbrio e sensatez", diante da
gravíssima situação política que está sendo enfrentada pelo país.
Ao embarcar na
"direitização" da classe média, e endossar, de forma atravessada,
indireta, e, eventualmente, interesseira, o discurso da exageração da crise, da
criminalização dos políticos, da judicialização da política, e da repetição da
irresponsável e continua multiplicação, à estratosfera, de cifras (da ordem de
dezenas de bilhões de reais) em pseudo prejuízos da corrupção que não
correspondem aos fatos ou às provas efetivamente, inequivocamente, colhidas até
agora, o PSDB - deixando-se seduzir pela perspectiva do caos - está brincando
de afagar as cabeças de Cérbero - o cão mitológico que guarda a saída de Hades
- na ante-sala do inferno.
Mais importante do que se haverá ou
não impeachment, é o Brasil que sobrará desse processo.
A História avança em ciclos.
Ciclos que, depois de iniciados,
dificilmente são detidos, e que cobram pesado tributo, em atraso e em sangue,
antes de que venham a se encerrar.
É preciso que as lideranças tucanas percebam
- e há outras personalidades que também foram lembradas - e muitas vezes
criticadas - nos ataques da direita radical contra FHC esta semana - que o
imponderável é - por sua própria natureza - incontrolável e voraz.
E que, ao abrir a porta para o
desconhecido, o PSDB poderá não voltar ao poder em 2018.
Pelo contrário.
Existe uma grande chance de que venha
a entregar o país - ou boa parte dele - ao fascismo, e de que venha a ser
vitimado, mais cedo do que tarde, pelo fascismo, da mesma forma que ocorre com
o PT.
Mauro Santayana no JB
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