Professora e
economista usa apresentação feita no Senado como base para, didaticamente,
responder às principais dúvidas acerca da proposta de Temer que limita
investimentos públicos
Em sua página na rede social Facebook,
a economista e professora da USP Laura Carvalho organizou uma lista de
perguntas e respostas sobre a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 241, que
limita o crescimento dos gastos públicos.
Para organizar a lista, a Laura
baseou-se na apresentação que fez na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado,
no início da semana. "Espero que ajude aqueles que estão sendo convencidos
pelo senso comum. Lembrem-se: o orçamento público é muito diferente do
orçamento doméstico", escreveu
A economista aponta as principais
dúvidas sobre a proposta do governo Temer, que congela investimentos públicos
por 20 anos, ao impor que o Orçamento seja corrigido anualmente apenas pela
inflação do ano anterior. De forma didática, Laura ajuda a desconstruir alguns
mitos em relação ao tema.
1. A PEC serve para estabilizar a
dívida pública?
Não. A crise fiscal brasileira é
sobretudo uma crise de arrecadação. As despesas primárias, que estão sujeitas
ao teto, cresceram menos no governo Dilma do que nos dois governos Lula e no
segundo mandato de FHC.
O problema é que as receitas também
cresceram muito menos – 2,2% no primeiro mandato de Dilma, 6,5% no segundo
mandato de FHC, já descontada a inflação.
No ano passado, as despesas caíram mais
de 2% em termos reais, mas a arrecadação caiu 6%. Esse ano, a previsão é que as
despesas subam 2% e a arrecadação caia mais 4,8%.
A falta de receitas é explicada pela
própria crise econômica e as desonerações fiscais sem contrapartida concedidas
pelo governo e ampliadas pelo Congresso.
Um teto que congele as despesas por 20
anos nega essa origem, pois não garante receitas, e serve para afastar
alternativas que estavam na mesa no ano passado, como o fim da isenção (de
1995) sobre tributação de dividendos, o fim das desonerações e o combate à
sonegação.
A PEC garante apenas que a discussão
seja somente sobre as despesas.
A PEC também desvia o foco do debate
sobre a origem da nossa alta taxa de juros – que explica uma parte muito maior
do crescimento da dívida, já que se refere apenas às despesas primárias
federais.
Uma elevação da taxa de juros pelo
Banco Central tem efeito direto sobre o pagamento de juros sobre os títulos
indexados à própria taxa Selic, por exemplo – uma jabuticaba brasileira.
A PEC é frouxa no curto prazo, pois
reajusta o valor das despesas pela inflação do ano anterior. Com a inflação em
queda, pode haver crescimento real das despesas por alguns anos (não é o
governo Temer que terá de fazer o ajuste). No longo prazo, quando a arrecadação
e o PIB voltarem a crescer, a PEC passa a ser rígida demais e desnecessária
para controlar a dívida.
2. A PEC é necessária no combate à
inflação?
Também não. De acordo com o Banco
Central, mais de 40% da inflação do ano passado foram causados pelo reajuste
brusco dos preços administrados que estavam represados (combustíveis, energia
elétrica...).
Hoje, a inflação já está em queda e
converge para a meta. Ainda mais com o desemprego aumentando e a indústria com
cada vez mais capacidade ociosa, como apontam as atas do BC.
3. A PEC garante a retomada da
confiança e do crescimento?
O que estamos vendo é que o corte de
despesas de 2015 não gerou uma retomada. As empresas estão endividadas, têm
capacidade ociosa crescente e não conseguem vender nem o que são capazes de
produzir.
Os indicadores de confiança da
indústria, que aumentaram após o impeachment, não se converteram em melhora
real. Os últimos dados de produção industrial apontam queda em mais de 20
setores.
A massa de desempregados não contribui
em nada para uma retomada do consumo. Que empresa irá investir nesse cenário?
Uma PEC que levará a uma estagnação ou
queda dos investimentos públicos em infraestrutura física e social durante 20
anos em nada contribui para reverter esse quadro, podendo até agravá-lo.
4. A PEC garante maior eficiência na
gestão do dinheiro público?
Para melhorar a eficiência é necessário
vontade e capacidade. Não se define isso por uma lei que limite os gastos. A
PEC apenas perpetua os conflitos atuais sobre um total de despesas já reduzido.
Tais conflitos costumam ser vencidos
pelos que têm maior poder econômico e político. Alguns setores (da atividade
econômica) podem conquistar reajustes acima da inflação, e outros pagarão o
preço.
5. A PEC preserva gastos com saúde e
educação?
Não, estas áreas tinham um mínimo de
despesas dado como um percentual da arrecadação de impostos. Quando a
arrecadação crescia, o mínimo crescia.
Esse mínimo passa a ser reajustado
apenas pela inflação do ano anterior. Claro que como o teto é para o total de
despesas de cada Poder, o governo poderia potencialmente gastar acima do
mínimo.
No entanto, os benefícios
previdenciários, por exemplo, continuarão crescendo acima da inflação por
muitos anos, mesmo se aprovarem outra reforma da Previdência (mudanças demoram
a ter impacto). Isso significa que o conjunto das outras despesas ficará cada
vez mais comprimido.
O governo não terá espaço para gastar
mais que o mínimo em saúde e educação (como faz hoje, aliás). Gastos congelados
significam queda vertiginosa das despesas federais com educação por aluno e
saúde por idoso, por exemplo, pois a população cresce.
Outras despesas importantes para o
desenvolvimento, que sequer têm mínimo definido, podem cair em termos reais:
cultura, ciência e tecnologia, assistência social, investimentos em
infraestrutura, etc. Mesmo se o país crescer...
6. Essa regra obteve sucesso em outros
países?
Nenhum país aplica uma regra assim, não
por 20 anos. Alguns países têm regra para crescimento de despesas. Em geral,
são estipuladas para alguns anos e a partir do crescimento do PIB, e combinadas
a outros indicadores. Além disso, nenhum país tem uma regra para gastos em sua
Constituição.
7. Essa regra aumenta a transparência?
Um Staff Note do FMI de 2012
mostra que países com regras fiscais muito rígidas tendem a sofrer com manobras
fiscais de seus governantes. Gastos realizados por fora da regra pelo uso de
contabilidade criativa podem acabar ocorrendo com mais frequência.
O país já tem instrumentos de
fiscalização, controle e planejamento do orçamento, além de metas fiscais
anuais. Não basta baixar uma lei sobre teto de despesas, é preciso que haja o
desejo por parte dos governos de fortalecer esses mecanismos e o
realismo/transparência da política fiscal.
8. A regra protege os mais pobres?
Não mesmo! Não só comprime despesas
essenciais e diminui a provisão de serviços públicos, como inclui sanções em
caso de descumprimento que seriam pagas por todos os assalariados.
Se o governo gastar mais que o teto,
fica impedido de elevar suas despesas obrigatórias além da inflação. Como boa
parte das despesas obrigatórias é indexada ao salário mínimo, a regra
atropelaria a lei de reajuste do salário mínimo impedindo sua valorização real
– mesmo se a economia estiver crescendo.
O sistema político tende a privilegiar
os que mais têm poder. Reajusta salários de magistrados no meio da recessão,
mas corta programas sociais e investimentos. Se nem quando a economia crescer,
há algum alívio nessa disputa (pois o bolo continua igual), é difícil imaginar
que os mais vulneráveis fiquem com a fatia maior.
9. A PEC retira o orçamento da mão de
políticos corruptos?
Não. Apesar de limitar o tamanho, são
eles que vão definir as prioridades no orçamento.
O Congresso pode continuar realizando
emendas parlamentares clientelistas.
No entanto, o Ministério da Fazenda e
do Planejamento perdem a capacidade de determinar quando é possível ampliar
investimentos e gastos como forma de combate à crise, por exemplo. Imagina se a
PEC 241 valesse durante a crise de 2008 e 2009?
10. É a única alternativa?
Não. Há muitas outras, que passam pela
elevação de impostos sobre os que hoje quase não pagam (os mais ricos têm mais
de 60% de seus rendimentos isentos de tributação, segundo dados da Receita
Federal), o fim das desonerações fiscais que até hoje vigoram e a garantia de
espaço para investimentos públicos em infraestrutura para dinamizar uma
retomada do crescimento.
Com o crescimento maior, a arrecadação
volta a subir.
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