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sábado, 16 de novembro de 2024

 

 

 

 

Diana Palmer

 

                                      A casa era úmida. Todo o bairro exalava umidade, cercado por um trecho sobrevivente da mata atlântica, um vale entre montanhas, onde o gramado só começava a secar depois de nove, nove e meia e o sol desaparecia por volta das quatro da tarde. O musgo tinha tomado conta das paredes laterais e um corredor entre o muro da casa vizinha e o gramado vivia permanentemente molhado. Era por ali que Diana Palmer passeava, molhando as patas que depois iam sujar a varanda várias vezes por dia.

 

                                      Costumava caminhar pela manhã até uma pequena banca onde seus jornais ficavam reservados. Caminhar pelas alamedas úmidas, um sol hesitante passando ainda frio por entre as copas de eucaliptos. O bairro, para além dos eucaliptos, estava no meio da floresta nativa, restos da Mata Atlântica preservados pela existência de um Parque Nacional que parecia querer engolir as casas. Caminhar era pouco mais do que a quebra diária de um ócio a que ele se obrigava, desde que tinha abandonado a vida no Rio, acossado por curtos, mas irritantes e perigosos, hiatos de perda de memória.

                                       

                                     Estava se impondo a ficar ali, mas agora, depois de cinco semanas, não tinha a menor idéia do porquê. No primeiro momento, as camas, o cheiro de casa fechada, móveis da sala cobertos com lençóis pela caseira, e muitos objetos que não via há muitos anos, era puro fascínio. Um fascínio renovado a cada garrafa de vinho ingerida, quando o mundo se tornava bom e sentia saudades do pai.

 

                                    Mas, quando o cinzento da manhã tomava o vidro da parte alta das janelas, o encanto desaparecia e um pouco de saudade das formas da cidade - o barulho, os riscos, a noite morna, os inferninhos que freqüentava, as garotas de programa, os táxis a caminho de hotéis baratos no centro, a busca pelo último botequim pé sujo ainda aberto – o incomodava. Então, meio desesperado, abria a porta, recebia na cara o tapa de ar gelado do dia nascendo e ia espiar a moça de cabelos negros que passeava no jardim. Nunca falava com ela para não espantar uma espécie de magia. Ela pouco olhava para ele, parecendo não ligar nem um pouco.

 

                                   Na primeira vez, chegou a pensar em perguntar o que ela estava fazendo ali, como tinha conseguido entrar na casa dele? Mas os olhos claros dela, muito claros, fizeram com que esperasse. Talvez no dia seguinte, talvez mais tarde, talvez um dia qualquer. No final do gramado, junto do portão, havia um grupo de eucaliptos cercados de pés de esponjinha por onde a moça desaparecia. Ficava mais alguns instantes  antes de tomar a primeira taça de vinho do dia, trocar de roupa e ser recebido, na porta dos fundos, pelos insistentes carinhos de Diana Palmer.

 

                                   Não ligou para o sereno que molhava  o banco do jardim, na primeira madrugada em que percebeu que a moça de cabelos negros chegava, não pela manhã como ele pensava, mas nas primeiras horas da madrugada. De onde estava, podia ver o vestido negro, rodado, fora de moda, num movimento lento, sumindo aqui, aparecendo ali, entre as árvores e plantas – canteiros, pequenos oásis  no gramado que o pai, quando vivo, fazia questão de  cuidar ele mesmo. Era uma espécie de dança, uma coreografia sem repetir os mesmos passos, um dilema que não se esforçava para decifrar. Apenas via, bebendo lentamente, deixando que ela se aproximasse, mais e mais, mais e mais, até que seus dedos suaves tocassem seu rosto barbado.

                             

                               A moça de cabelos negros, então, desaparecia no meio da inevitável bruma da manhã que se apossava do bairro todos os dias.

 

                                 Num dia de inverno tinha bebido demais e estava perdido no jardim, numa névoa tão densa que as luzes dos postes, na rua, do outro lado do muro, eram apenas referências sem uso. Escolheu caminhar tateando o muro, quando a mão suave entrelaçou-se na sua. Deixar-se guiar, cego, menino, sem pressa, sorriso, tocado pela fada, até ver as luzes que tinha deixado acesas na varanda. “Como é que você consegue?” “Consigo?” “Consegue estar aqui a uma hora dessas, passar pelo portão, andar pelo jardim, enxergar onde eu não enxergo?” “Você não gostaria de saber.” “Tem certeza?” “Absoluta.” “Então, vamos deixar as coisas como estão.”

 

                                       No verão daquele mesmo ano começou a sentir que a doença estava começando a apertar o cerco. Tinha sido escoltado pelo caseiro, alertado por outro caseiro, quando passeava, sem camisa, já fora do bairro, muito perto da estrada.

 

                                       Outra vez se perdera no centro da cidade sem saber o que dizer ao motorista de táxi, impaciente em saber para onde ele queria ir. Uma noite acordou na escuridão sem entender onde estava. Acendeu as luzes do quarto e continuou perdido. Que paredes brancas eram aquelas? As de um sanatório ou de algum lugar para onde tinha sido levado sem que soubesse?

 

                                       Saiu do quarto esperando encontrar um corredor comprido, mulheres e homens de branco, luzes acesas, mas chegou apenas a uma sala com lareira, sofás de couro e uma televisão ligada. Só com muito esforço conseguiu voltar no tempo, lembrando, tijolo por tijolo onde estava – na casa do pai – na cidade serrana, no meio de uma noite que tinha começado, onde e quando ele não sabia.

 

                                         Os olhos assustados do caseiro e das pessoas com quem cruzava, eventualmente, nas manhãs geladas, indicavam que os outros moradores do bairro sabiam bem mais a seu respeito. Então, talvez fosse melhor voltar.

 

                                          Decidiu procurar o médico que vinha tratando dele há anos. À noite, esperou em vão a mulher de cabelos negros, mas teve apenas a companhia de Diana Palmer, inquieta, como se percebesse que ele ia embora, talvez para não voltar mais. Viu o cinza tomar conta do céu, esperou, sem esperança, o rosado do novo dia, partiu.

 

                                          Quando o táxi deslizou pela alameda estreita, olhou a casa pela última vez. A casa mágica entre eucaliptos e muros de hera, onde Diana Palmer passeava de mulher  pelos jardins.  

sexta-feira, 25 de outubro de 2024

Genesis 19:36

36 Assim, as duas filhas de Ló engravidaram do próprio pai. 37 A mais velha teve um filho, e deu-lhe o nome de Moabe[ a]; este é o pai dos moabitas de hoje. 38 A mais nova também teve um filho, e deu-lhe o nome de Ben-Ami[ b]; este é o pai dos amonitas de hoje.

 

Genesis   19:36 

Assim, as duas filhas de Ló engravidaram do próprio pai.

 

Pois é ! Esse é um texto da Bíblia que os pastores não leem para suas ovelhinhas.

sexta-feira, 11 de outubro de 2024

Projeto Futuro

 

Pablo Marçal pode deixar a direita brasileira pensando seriamente em Marcola para presidente!!!

Uma possibilidade

 

Uma possibilidade: o avanço da direita nas últimas eleições, alavancado por grande número de votos das classes C e D, pode ser resultado da tímida melhoria das condições de  vida dessas pessoas. Agora eles querem deixar para trás sua condição anterior, identificando-se com prerrogativas das Classes A e B.

sábado, 24 de fevereiro de 2024

Futurama

 A taxa de manutenção da população de um país é de 2.1% ao ano. Ou seja, para que um país possa manter estável o número de seus habitantes é necessário que, a cada ano, aconteçam 2.1% de novos nascimentos. No Brasil a taxa de fertilidade é de 1.6% da população. Então, segundo os entendidos, em 50 anos o Brasil terá metade dos homens e mulheres e gays que tem hoje. O mercado, claro, terá encolhido mais ou menos na mesma proporção.

São dados que, pelo menos no, não parecem fazer parte da preocupação de governantes, políticos e proprietários e/ou acionistas dos grandes conglomerados industriais, fazendas e bancos. A tempestade já se mostra no horizonte, mas pouca gente, alguns cientistas, talvez, está prevendo um futuro no qual a História vai, mais uma vez, mudar radicalmente as regras do jogo.

E a mudança social pode ser tão ou mais radical do que a Revolução Francesa de 1789.

É mudança com a qual devemos nos preocupar porque em quase todo o mundo está acontecendo à mesma coisa. E isso transforma as relações sociais de forma radical.

Até agora os proprietários dos meios de produção não tinham muito com que se preocupar. Um mercado, há anos globalizado, quase infinito, estava pronto a comprar o que suas indústrias produziam: de aviões de guerra a bonecas Barbie. De gigantescas máquinas agrícolas a telefones celulares de última geração.

Os limites, ainda hoje, parecem não existir. Apesar do pé no freio no Ocidente rico, populações dos países chamados de “em desenvolvimento” continuam a crescer, embora não com os números explosivos de décadas passadas.

Mas partir de agora começa um mundo com relações que ainda desconhecemos por completo. Quantos automóveis a menos serão necessários produzir para uma população que rapidamente vai se reduzir a metade? E diminuir, ou adequar, a produção de automóveis a números decrescentes de população que reflexos produzirá na indústria como um todo?

E o mercado? Como vai sobreviver esse Deus da era capitalista se os compradores são cada vez em menor número. E como vai ser resolvido o problema do desemprego em massa provocado pela substituição do Trabalho pela tecnologia? É bom lembrar que estamos caminhando rapidamente para um novo estágio da mecanização. O progresso atinge agora não apenas os trabalhadores braçais, mas também quem faz programação de computadores.

Máquinas agrícolas, só para dar um exemplo, já não precisam de alguém especializado em conduzi-las enquanto fazem a colheita de grãos. E trabalham dia e noite, sem precisar de descanso. Os táxis sem motoristas que no momento vem causando problemas de trânsito em algumas cidades da Europa, em breve devem ser tornados mais seguros. E serão ainda mais quando outros veículos também forem dirigidos por computadores à distância.

Mesmo que a semana de trabalho seja reduzida para quatro e depois três dias, o que acontece mais tarde? Claro haverá milhões de desempregados que antes de perderem seus empregos formavam a massa que chamamos de Mercado.

Deve ser acrescentado que o avanço da medicina e nas condições da vida em sociedade está fazendo com que populações de humanos tendam a viver cada vez mais. Quem vai pagar a conta das aposentadorias, já que o número de nascimentos rapidamente será muito menor do que as mortes por velhice? 

Elon Musk, o dono as SpaceX, já escreveu nas redes sociais que no futuro “precisará haver uma renda” (por enquanto nem ele sabe de onde virão esses recursos), para fazer face aos milhões e milhões de pessoas que a tecnologia (inserida aí a Inteligência Artificial) vai tornar simples desocupados em um espaço de tempo mais curto do que imaginamos.

Países como Canadá e Austrália já estão abrindo as portas para estrangeiros que desejem vir morar e trabalhar em suas cidades, porque precisam de mão de obra e de compradores para o que é produzido lá. A população desses países está diminuindo. E já começam a oferecer facilidades para quem tem habilitação profissional em várias áreas.

A França, dentro de alguns anos, será um país muçulmano. (se essa religião, como outras, resistir ao impacto da ciência sobre seus dogmas). Isso porque raros franceses estão querendo ter filhos e a mão de obra das ex-colônias está cada vez mais presente na economia local. Argelinos e descendentes tendem a ter mais filhos do que os franceses originais.

Possíveis respostas

É interessante observar que apesar do olhar ainda passivo sobre o futuro próximo, talvez por “instinto" o tempo dedicado ao lazer já está sendo ampliado em todo o mundo. Os esportes, por uma espécie de instinto natural, estão ganhando cada vez mais espaço na programação das TVs e celulares. Canais especializados em futebol estão se espalhando e o interesse por bons campeonatos aumenta rapidamente. Países árabes estão no momento contratando a peso de ouro um bom número de jogadores de primeira linha que disputavam campeonatos europeus. Ou seja, por instinto já prevemos que é preciso inventar alguma coisa para as horas de ócio que rapidamente aumentam.

Novas formas de esporte profissional surgem todo dia (no momento discute-se o ingresso dessas novas modalidades já nas próximas Olimpíadas de Paris.). Recentemente o surf e o skate passaram a serem modalidades olímpicas. A indústria naval, por sua vez a cada dia nos mostra um navio de turismo maior e mais confortável que o precedente. Cantores e cantores conhecidos (Carly Simon, por exemplo), já estão se apresentando nos roteiros turísticos desses navios.

É possível que os humanos se adaptem a uma vida de lazer quase permanente, e deixem a inteligência artificial pensar (e fazer) por eles. Afinal a beira de uma piscina é um local bem mais agradável que uma planta de fábrica barulhenta e mal cheirosa.

 

 

 

 

 

 

quinta-feira, 15 de fevereiro de 2024

1922 – Cem anos de eleições em Teresópolis

“Dos quatro candidatos a presidente em 1945, o general Dutra contou com o apoio da máquina administrativa da Prefeitura, em Teresópolis, sob o controle dos políticos indicados pelo antigo modelo ainda no poder, enquanto o brigadeiro Eduardo Gomes teve o apoio de diversas outras lideranças emergentes, e de oposição ao governo municipal...”

Dutra o ex-ministro da Guerra (era assim que se chamava o atual ministério da Defesa) de Getúlio Vargas era visto como a continuidade no poder do homem que liderou a Revolução de 30 e pôs um fim na “República do Café com Leite”. Café de São Paulo, leite de Minas Gerais, estados que se alternavam no poder. O Brasil era até ali governado pelos mesmos fazendeiros que tinham, no final do século 19, apeado do poder imperador D. Pedro II.

Getúlio deu o pontapé inicial na industrialização do país, e por ter criado as Leis Trabalhistas ganhou o apreço da classe trabalhadora, principalmente nas grandes cidades, mas, como se poder ver pelos resultados da eleição em Teresópolis, não só nas grandes cidades. Isso explica por que mesmo afastado do poder o ex-ditador pôde fazer seu sucessor um general opaco, sem expressão política, mas  de sua total confiança, e voltar ao Palácio do Catete na eleição que se seguiu. 

“O general Eurico Gaspar Dutra - que assumiria o mandato em 31 de janeiro de 1946, deixando o cargo em 31 de janeiro de 1951 teve boa relação com Teresópolis – venceu a eleição  com 55,39% dos votos, (...) chegando em seguida Eduardo Gomes com 34,74%, fazendo 9,71% o ex-prefeito de Petrópolis, Yedo Fiuza, e por último o candidato Mario Rolim Telles do PAN.”

O livro 1922 do jornalista e pesquisador Wanderley Peres faz a contextualização do que se passa na cidade com o que acontecia no Brasil nos anos que se seguiram a ditadura Vargas. O livro aprofunda momentos especiais da política na cidade, através de uma pesquisa rigorosa. Assim ficamos sabendo das histórias que ocorreram nas eleições nos últimos 100 anos, e as consequências que chegam até nossos dias. 

Prefeitos corruptos ou pelo menos suspeitos de, Prefeitos que não "esquentaram a cadeira", presidentes da Câmara (os prefeitos na prática antes da instituição da prefeitura)vítimas de tiroteio em dias de eleição. Grandes realizadores e gente que nada fez enquanto no cargo, Toda essa estirpe de eleitos que frequentou o poder no município nos últimos 100 anos está, detalhada em 1922, compondo uma História que chega até nossos dias.

É muita coisa a ser contada e o autor da pesquisa trabalha com documentos oficiais e matérias publicadas nos jornais locais. Assim a linguagem da época é mantida o que dá ao livro um sabor especial. Nem mesmo as intervenções do pesquisador quebram esse clima, o que dá maior autenticidade a 1922.

Os livros de Wanderley Peres que tratam da história de Teresópolis tem esse mesmo rigor nas informações que passam aos leitores. Rigor, no entanto, que pela experiência do autor com o texto jornalístico torna a leitura leve, agradável. 1922 ano das primeiras eleições municipais no município é também o ano em que se comemoravam 100 anos da Independência e a Semana de Arte Moderna detonava a influência estrangeira (principalmente francesa) na cultura brasileira.

 Alvissaras!!! diria um escritor da época.